Também roteirista de cinema e TV, ela relembra o início da trajetória na música e fala sobre seu processo criativo
Por Fabiane Pereira, do Rio
Simone Saback canta mas não é cantora. “Sempre esclareço: uso minha voz para gravar demos de minhas próprias canções. Adoro cantar, mas o palco não é minha praia. Gosto dos estúdios. Agora, com as facilidades digitais - inclusive para distribuição e divulgação -, estou preparando alguns lançamentos em minha voz, com parceiros musicais”, explica. Parceira de Cássia Eller, Simone já teve suas canções gravadas por Fábio Junior, Ana Carolina, Zélia Duncan, Leonardo e outros grandes nomes da música popular brasileira.
Essencialmente compositora, escreve música e também roteiros para cinema e TV. Ano passado, aos 60 anos, lançou seu primeiro single oficial, “Mãos Atadas”, um duo dela com Cássia Eller trabalhado a partir de uma gravação original em cassete de 1982.
Agora, prepara seu novo trabalho. “Vou interpretar minhas próprias canções, como sempre quis. Ter minha obra ouvida sem fazer shows ou depender de gravadoras e rádios: acho que a web resolveu este problema, definitivamente”, diz, entusiasmada, a brasiliense radicada no Rio, que faz mistério sobre o novo disco e relembra sua trajetória em entrevista ao nosso site.
Como e quando você percebeu que a música poderia se transformar em profissão?
A música nasceu comigo. A primeira coisa que aprendi foi ligar o rádio de casa. TV só chegou no final da minha primeira infância, no começo dos anos 1960. Até lá, era a voz linda de minha mãe, o assoviar maneiríssimo do meu pai, a vitrola e o rádio que embalavam muitas horas do dia. Ao primeiro contato com instrumentos musicais, no jardim de infância, descobri minha intimidade com eles. Meus pais também. Cheguei a ter aulas de piano por volta dos 9 anos, mas as partituras, a professora e eu não nos entendíamos muito bem. No dia de apresentar meu primeiro "concerto", toquei "Noite Feliz" com um arranjo meu, ignorando a partitura. Mais adiante vi na TV um cara tocando em garrafas com água. Montei minha escala completa, de ouvido, na área de serviço de casa. Era o dia todo batendo em garrafas, para desespero de meus cinco irmãos. Isso, certamente, ajudou-me a ganhar o primeiro violão aos 11 anos. Esqueci as garrafas e não parei mais.
Já eram os primeiros passos para a carreira?
Ainda não me passava pela cabeça ser profissional da música. Já formada em Jornalismo, fui para a faculdade de Direito. No meio disso, em 1978, surgiu um convite para um show na Funarte, em Brasília, através do saudoso Alvim Barbosa, que me ouviu cantar entre amigos. Topei, comecei uma carreira bem-sucedida nos palcos, empresariada pelo querido Pinga (Produções Artísticas). Veio a oportunidade de gravar meu primeiro disco, mas a gravadora (Odeon) exigiu que eu migrasse para o rock. Foi um não ao meu repertório romântico, influenciado pela nata da "sofrência": Vinícius de Moraes, Suely Costa, Ivan Lins, Djavan, Roberto Carlos, Chico Buarque, Milton Nascimento, Maysa, Elis Regina, Simone Bitencourt, e por aí vai. Me recusei e, na época, me afastei. Mas nunca deixei de compor nem de escrever. Só em 2001, durante uma turnê como empresária interina de Zélia Duncan e seu espetáculo "Sortimento", comecei a pensar em tornar-me compositora profissional. Perdemos Cássia, vim ao Rio para a última homenagem e decidi ficar.
E a amizade com Cássia, como surgiu?
Cássia Rejane e Zélia Cristina (hoje Cássia Eller e Zélia Duncan) eram amigas do meu irmão, Marcelo Saback, grande ator/diretor/autor de teatro, cinema e TV, mas que também tem imensa veia musical. Primeiro conheci Zélia. Colega de Marcelo, passou a frequentar nossa casa. Em 1982, os dois me apresentaram Cássia, que conheceram durante a temporada de um musical, "Veja Você Brasília", de Oswaldo Montenegro, em que os três trabalharam. Encontros musicais em casa eram frequentes, muitos deles registrados em cassetes perdidos por aí. Logo Brasília ficou pequena para tanto talento, e os três alçaram seus voos solo, rumo ao merecido sucesso.
O que inspira você a compor?
Quando componho com coração/alma/intuição/inspiração, é algo muito parecido com psicografia, só que com melodia. Aquilo vem, e depois é que vou saber do que (ou de quem) eu estava falando. Foi o caso das músicas que citei e muitas outras. Mas, às vezes, tenho de compor com a imaginação. Aí é um processo mais racional. Muito comum quando o parceiro(a) me passa um tema, ou aponta quem poderia gravar. Aí me transfiro para situações de terceiros. Quando se trata de parcerias, minha parte é a letra, embora um acabe sempre dando pitaco na parte do outro.
Em momentos conturbados como este que o país atravessa, você se sente mais inspirada? Ou sua arte não passa por esse viés sócio-político-econômico?
Sou hiperantenada. Uma vez jornalista, sempre jornalista. Assisto a todos os jornais, de todas as TVs, todos os dias, além de acompanhar o mundo via web. Mas o jornalismo é vida real. A compositora vive em outra dimensão. Minha música não passa por aí.
Sente-se feliz por estar na UBC? O que a nossa associação representa para você?
Pense uma compositora que não tem que se preocupar com nada relacionado à arrecadação. Esta sou eu, feliz da vida com a UBC desde 2002.