Um balanço de acertos e erros das ações de montagem da estrutura e divulgação do fundo de ajuda a associados em dificuldades financeiras, que já atingiu 95% da meta inicial
Do Rio
O QR Code usado por Alceu Valença durante a live na qual promoveu o fundo: excelente conversão de doações
Dois meses depois do seu lançamento, o fundo Juntos Pela Música, uma parceria da UBC com o Spotify, deixa importantes lições e uma certeza: a mobilização para ajudar criadores em dificuldades financeiras é uma causa justa e capaz de engajar muita gente. Prova disso é que o valor arrecadado já se aproxima de R$ 1,526 milhão, algo como 95% da meta proposta inicialmente, montante proveniente das contribuições de mais de 2.320 doadores. Com esse dinheiro, mais de 800 associados em situação de vulnerabilidade — de um total de 1,9 mil pedidos — já vêm recebendo os auxílios de R$ 1,6 mil em quatro parcelas mensais. E o fundo será ampliado nos próximos dias.
O surgimento de uma iniciativa dessa envergadura, algo inédito nos 78 anos da UBC, completados nesta segunda-feira (22 de junho), mobilizou literalmente toda a empresa. Foi necessário reorganizar por completo a máquina de trabalho da associação, cujo negócio são a arrecadação e a distribuição de direitos autorais, para encaixar a gestão de um fundo de ajuda, desde a sua concepção, passando pelo desenho da estrutura e as muitas e variadas questões operacionais, técnicas e tecnológicas do dia a dia. Os funcionários se engajaram de modo surpreendente, e alguns chegaram a fazer doações pessoais ao fundo.
Lives para promover o projeto e aumentar as doações, a montagem do plano de ação e a difícil decisão sobre que limites impor para os candidatos à ajuda: cada passo teve importantes acertos e erros que serviram como aprendizado. Elencamos alguns deles a seguir:
- Agilidade na definição do parceiro, o Spotify. Em menos de um mês, todo o esquema foi montado: do primeiro contato com o Spotify à assinatura dos contratos, inclusive com auditoria de contabilidade, o que garante a total transparência da gestão dos recursos. O Spotify embarcou muito rápido no projeto e o inseriu no contexto da sua iniciativa global Covid-19 Music Relief, dotado inicialmente com US$ 10 milhões para projetos similares em diversos países. O Juntos Pela Música é o único parceiro dessa iniciativa no Brasil. Além do peso da marca Spotify, que, em si, agrega muito ao projeto, outra vantagem foi a dinâmica da Music Relief: a cada real recebido em doação, a plataforma de streaming dobra o valor, ampliando exponencialmente a capacidade de ajudar a quem precisa.
- A estratégia do tubarão. Um ponto específico de ação fundamental para aumentar exponencialmente o volume captado é procurar grandes players do mercado que possam fazer aportes significativos de uma vez. O Juntos Pela Música conseguiu doações de altas quantias desses players, que, duplicadas pelo Spotify, elevaram rapidamente o total global.
- Comunicação forte através das redes. A estratégia de difusão da informação começa com disparos maciços. O projeto se beneficou de um grande interesse dos meios de comunicação, que ajudaram a difundi-lo a públicos off-line. E a estratégia online passa por vários focos. "Começa-se segmentando a divulgação junto a perfis com maior interesse no tema. Logo, vêm amigos e pessoas próximas, que tiram a campanha do zero e geram uma validação social, o contato direto, que são as bases de e-mail, canais de Facebook, WhatsApp etc.”, exemplifica Larissa Novais, gerente de comunidades da Benfeitoria, a plataforma usada para hospedar as doações ao fundo. O último ponto específico a atacar, ela ensina, são os influenciadores, gente que multiplicará a informação de uma forma efetiva, espalhando a ideia.
- A estratégia das lives. As lives foram outro grande acerto para atrair doações. Uma das que mais funcionaram foi a promovida por Alceu Valença, que, ao longo da transmissão, falou bastante sobre o fundoResultado: houve R$ 43 mil em doações durante a transmissão. Com o matchfunding do Spotify a dobrar cada real doado, o montante final foi de R$ 86 mil. O Festival Juntos Pela Música, que reuniu uma série de lives importantes para ajudar a promover o fundo, uma seguida à outra, ao longo de 24 horas, apesar de ter sido um sucesso, terminou com menos doações. A explicação vem no ponto a seguir.
- A escolha da plataforma para as lives e o uso de QR Codes. A live de Alceu foi transmitida no YouTube, com o uso constante de uma QR Code num canto da tela que permitia ao doador ir diretamente para a página da Benfeitoria com apenas um clique. Já o festival foi transmitido pelo Instagram, que, embora seja uma das redes mais usadas para transmissões – tanto é assim que teve uma ótima audiência –, exigia que o espectador deixasse de ver a live para ir à plataforma fazer a doação. Por outro lado, o festival, pela visibilidade enorme que teve, foi um sucesso na doação direta de cachês dos artistas e na sedimentação da marca Juntos Pela Música.
- Engajamento artista a artista. Como já mostramos aqui no site, artistas como Adriana Calcanhotto (participante do festival Juntos Pela Música) e Mauricio Cirio doaram os direitos autorais de canções suas recém-lançadas para o fundo. Além do óbvio e importante aporte financeiro, essa foi uma excelente maneira de difundir a iniciativa entre seus fãs.
- Como explicar os limites à participação. Um filtro usado pela UBC para a requisição da ajuda — ter recebido entre R$ 800 e R$ 12 mil em direitos de execução pública em 2019 — foi alvo de críticas e dúvidas de alguns requerentes. A lógica por trás é simples: o objetivo inicial da ajuda foi proteger e defender quem tem nos direitos autorais uma parte importante da sua renda. “Os recursos da UBC, infelizmente, são finitos. Toda a operação da nossa associação é construída com os 5% de percentual societário que cobramos sobre os valores arrecadados. Isso nos permitiu entrar com R$ 500 mil (aos quais se somaram outros R$ 500 mil do Spotify, que também duplica cada real doado por outras fontes). Nossa vontade era ajudar todo mundo, mas tivemos que nos centrar em quem tem o direito autoral como fonte principal de renda”, define Elisa Eisenlohr, gerente de Comunicação da UBC e coordenadora do fundo.
- Transparência em todo o momento. “A confiança é a base do financiamento coletivo! Essa dinâmica de financiamento não existe sem que o responsável faça uma prestação de contas com notas fiscais, por exemplo. É fundamental apresentar resultados, comprovar a entrega do projeto, de preferência com fotos e vídeos; compartilhar resultados de quantas pessoas foram atendidas, o que já foi feito, o impacto do projeto”, afirma Larissa Novais.
UBC lança ação de prestação de contas #EuRecebi
Precisamente para garantir a transparência total, a UBC lança nos próximos dias uma ação de prestação de contas chamada #EuRecebi. Através de depoimentos de associados que receberam os auxílios beneficentes, queremos mostrar a cara humana do projeto. Um desses beneficiados foi o compositor, músico e cantor Nereu Gargalo, mítico membro do Trio Mocotó. “Foi uma ajuda muito bem-vinda, providencial. E rápida. Entre a minha inscrição e o recebimento do dinheiro, passaram-se menos de 15 dias. Eu perdi vários shows em apenas dez dias, bem no início do confinamento aqui em São Paulo: faria três na cidade, um em Ribeirão Preto (SP) e dois em Paraty (RJ)”, lembrou.
Para ele, a ausência de políticas públicas efetivas e as barreiras impostas pelo executivo federal à liberação dos R$ 3 bilhões do Fundo Nacional da Cultura através da Lei Aldir Blanc, recém-aprovada no Senado e ainda não sancionada por Jair Bolsonaro, impõem um desnecessário sofrimento aos criadores de música e de cultura em geral. “A coisa está muito feia. E tende a piorar. O que recebo de ligação de músicos amigos meus todos os dias falando sobre suas dificuldades... Mas vejo também muita solidariedade, muita gente preocupada em ajudar. Esse pesadelo vai passar, tenho certeza. E nós vamos sair dele muito mais fortes.”
FAÇA MAIS: Clique e doe para o fundo Juntos Pela Música
LEIA MAIS: Outras iniciativas de ajuda a artistas durante a pandemia