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Ainda tímido, streaming de música clássica se populariza
Publicado em 29/07/2019

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Grandes criadores brasileiros do gênero, como Dimitri Cervo (foto) e Marlos Nobre, contam com milhares de cliques em plataformas como Spotify ou YouTube, mas especialistas pedem nova forma de contagem de streams e mais visibilidade para orquestras e artistas

Por Eduardo Fradkin, do Rio

Sites e aplicativos de streaming ganham cada vez mais atenção de compositores de música clássica, em busca de públicos mais amplos. Até orquestras, da Filarmônica de Berlim à Sinfônica de São Paulo (Osesp), têm se preocupado em apresentar seus concertos em forma de streaming, engrossando um mercado que desafia velhos clichês.

Diferentemente da orquestra berlinense, a Osesp não cobra pelo streaming de seus concertos. Desde 2011, já foram dezessete, e o próximo acontecerá no dia 8 de agosto, às 20h. Eles são transmitidos ao vivo por Facebook, YouTube e pelo site da própria orquestra, permanecendo disponíveis nessas plataformas por algum tempo. O espetáculo de aniversário de 20 anos da Sala São Paulo, realizado no último dia 9 de julho, amealhou quase 10 mil visualizações em menos de um mês, só no YouTube. "É uma forma de ampliar a Sala São Paulo para além dos seus limites físicos. Os vídeos são visualizados em estados distantes, como o Acre, e até em outros países. Essa visibilidade é importante para a captação de recursos, pois os patrocinadores valorizam isso", esclarece o diretor-executivo da Osesp, Marcelo Lopes. Ele conta, ainda, que há planos de aparelhar melhor a Sala São Paulo para que, futuramente, a orquestra tenha uma série de assinaturas de seus concertos digitais, como faz a Filarmônica de Berlim.

Outra iniciativa gratuita da orquestra paulista é o seu Selo Digital, que oferece downloads de discos (sem lançamento em formato físico). "A função desse selo é se tornar um grande repositório de música clássica brasileira e dar visibilidade aos nossos compositores. O último CD do Gilberto Mendes, por exemplo, já teve 1.500 downloads", comenta Lopes, ao mesmo tempo em que reclama da visibilidade da Osesp em grandes aplicativos de música digital. "O sistema de metadados de Spotify e similares não é apropriado para a música clássica. Os CDs da orquestra ficam meio perdidos lá dentro. É diferente num aplicativo especializado, como o Idagio, que tem buscas específicas para orquestra, regente, solista, obra etc. Em compensação, a escala de assinantes é bem menor. Eu digo que, ali, é como pescar em aquário."

"Esse gênero musical está arrebanhando crescentemente um público mais jovem no mundo todo: 30% dos ouvintes têm menos de 35 anos de idade."

Elias Wuermeling, gerente de comunicação da plataforma Idagio, especializada em música clássica

O Idagio não revela quantos peixes há em seu aquário, mas informa que tem "assinantes em mais de 190 países e mais de 1,5 milhão de downloads". De Berlim, o seu gerente de comunicação, Elias Wuermeling, falou à UBC sobre o potencial desse nicho musical. 

"Um estudo aprofundado sobre streaming realizado pela MIDiA Research e publicado pela Idagio revelou que 35% dos consumidores são fãs de música clássica, e quase metade deles declarou que acha o streaming uma boa forma de escutá-la. O estudo também mostrou que esse público é muito diversificado e que a música clássica não é apenas consumida por gerações mais velhas, como sugere o clichê. Esse gênero musical está arrebanhando crescentemente um público mais jovem no mundo todo: 30% dos ouvintes têm menos de 35 anos de idade", afirma Wuermeling.

O compositor gaúcho Dimitri Cervo tem comprovado esse interesse pelo clássico entre assinantes de aplicativos de streaming. Apesar de pregar que o ambiente ideal para aproveitar ao máximo a música clássica seja uma sala de concerto, ele tem se surpreendido com o alcance que sua obra ganhou no mundo digital.

"O sistema de metadados de Spotify e similares não é apropriado para a música clássica. Os CDs da orquestra ficam meio perdidos lá dentro."

Marcelo Lopes, diretor-executivo da Osesp

"Lancei recentemente o CD autoral 'Música Sinfônica', que gravei regendo a Orquestra Sinfônica da Venezuela. Somente em uma semana, o CD recebeu mais de 6 mil audições no Spotify, em diversos lugares do mundo. Isso supera em muito o número de cópias físicas do CD e de público que pode escutar minhas obras ao vivo no período de um ano", conta ele, que, em 2006, vendeu um total não mais de 600 cópias do seu disco "Toronubá": "E isso naqueles tempos em que CD ainda vendia!"

Cervo se beneficia de um atributo específico das mídias digitais: a playlist. "Não fiz impulsionamento pago, até porque Spotify e YouTube não trabalham assim. Já tentei isso no Facebook, em pequena escala, e tive resultados mirrados. Meu novo CD está indo bem porque, por ser um lançamento, o próprio Spotify colocou uma das faixas numa playlist de novidades clássicas, e essa playlist tem 430 mil assinantes", conta ele.

Um tema sensível quando se fala em mídias digitais é a remuneração aos autores. Cervo evita polemizar: "é um processo em desenvolvimento. À medida que o tempo avançar, os artistas serão cada vez mais bem remunerados pelos serviços de streaming. Agora estamos numa fase de transição, e muitas coisas ainda precisam ser ajustadas".

Villa-Lobos: representante da obra, Marisa Gandelman pede melhor remuneração no streaming

Marisa Gandelman, advogada responsável pelos direitos autorais de Heitor Villa-Lobos, critica o modelo atual de remuneração. "Precisa haver uma regra de negócios mais transparente. Eu recebo uma prestação de contas com 300 linhas de streaming que dão US$ 4, enquanto uma linha de aluguel de partituras dá US$ 1.300. Qual é o critério para o cálculo dessa remuneração?", indaga ela. "Acho que as próprias editoras ainda não sabem como lidar com o mundo digital. Villa-Lobos tem mais dez anos de obra protegida. Não vou entrar numa briga judicial, até porque não se resolveria antes do fim desse prazo".

Nesse quesito, plataformas especializadas, como o Idagio, vêm dando exemplo. "Uma canção pop dura três minutos, enquanto uma sinfonia tem 30 minutos ou mais. Não se pode tratar as duas obras da mesma forma. A remuneração por tempo de audição de uma obra por cada usuário é essencial para um modelo justo de pagamento", diz o gerente de comunicação da empresa alemã. A discussão sobre tal modelo já envolve plataformas maiores, e novidades podem surgir em breve. É curioso notar que a entidade escolhida por Villa-Lobos para receber o (minguado) dinheiro de seus direitos autorais também está no mundo digital. A Academia Brasileira de Música (ABM) faz uso do YouTube para divulgar concertos com repertório raro. Seu canal tem 1.500 inscritos. 

"São gravações que só nós temos, como, por exemplo, de sinfonias do Lorenzo Fernandes. Aproveitamos os concertos da nossa série 'Brasilianas' para fazer os registros em vídeo. Temos um orçamento específico para isso. O trabalho da ABM é resgatar e preservar a música clássica brasileira. Queremos começar a registrar também o repertório operístico, mas, em muitos casos, é preciso reconstruir as partituras. Por exemplo, a ópera 'O contratador de diamantes', do Francisco Mignone, foi uma das mais importantes do Brasil no século XX, mas estão faltando pedaços. É preciso refazer o primeiro ato a partir das partes instrumentais", conta o presidente da academia, João Guilherme Ripper.

Marlos Nobre: opção pelo YouTube em busca de visibilidade para seus concertos

Outro que vem usando o YouTube para divulgar sua obra é Marlos Nobre, um dos principais compositores contemporâneos de música clássica no Brasil. “Eu fui um dos primeiros compositores aqui no Brasil a utilizar a plataforma do YouTube, postando praticamente a parte mais importante da minha obra. Tenho um canal específico, hoje com 980 vídeos. Não utilizo nenhum outro tipo de streaming, pois, para a minha música de concerto, acho o YouTube ideal. Pessoalmente acredito que uma plataforma como o YouTube veio dar uma maior dimensão ao acesso à música de concerto, pois como se sabe, o acesso atinge todos os países e é possível visualizar e acompanhar os números. A parte financeira é razoável, mas eu considero mais importante a exposição da obra”, ele diz.

O movimento mais recente no mercado digital de música clássica vem de gravadoras, que passam a oferecer audição de discos completos em seus próprios sites. Neste mês de julho, a Warner Classics aderiu a essa prática. Assinantes de Spotify, Apple Music e Deezer podem ouvir os discos da gravadora diretamente nos domínios dela: https://www.warnerclassics.com/. O que todas essas iniciativas mostram é que o público consumidor de música clássica, geralmente tido como conservador, está definitivamente dentro das mídias digitais.


 

 



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