Hamilton de Holanda, Amaro Freitas e Felipe Cordeiro comentam o bom momento para instrumentistas no país, que saem do fundo do palco e brilham em projetos e turnês pelo Brasil e lá fora
Por Kamille Viola, do Rio
Não é nenhuma novidade que o Brasil é um celeiro de talentos da música instrumental. Nem que o gênero, que por aqui encontra uma grande diversidade de ritmos e instrumentos, muitas vezes tem seus artistas mais reconhecidos lá fora do que aqui. Nos últimos anos, no entanto, o estilo vem ganhando mais espaço no cenário de shows país afora, extrapolando os limites das tradicionais salas de concerto e atraindo um público mais variado. Do choro ao jazz, passando pelo afrobeat e pela mistura da música paraense com a eletrônica, são muitos os nomes que renovam a cena instrumental. E alguns deles, como o pernambucano Amaro Freitas (foto) ou o paraense Felipe Cordeiro, contam suas experiências.
Para o consagrado bandolinista Hamilton de Holanda, nascido no Rio, criado em Brasília e radicado há anos na sua cidade natal, o crescimento é visível. “Tem muito jovem se interessando (pela música instrumental). Vejo um movimento crescente de gente a fim de tocar, criar um tema, improvisar. Acho que está cada vez melhor. Tem que melhorar, sempre, é importante a gente manter sempre a chama acesa do que foi feito por Pixinguinha, Jacob do Bandolim, pelos nossos grandes mestres. Acho que o público está aumentando também, e a tendência é aumentar cada vez mais”, analisa um dos principais expoentes do choro.
Hamilton de Holanda. Foto de Felipe Diniz
Revelação do jazz nacional com seu disco de estreia, “Sangue Negro”, de 2016, Amaro Freitas se surpreendeu com o espaço que encontrou para seu trabalho. “Ouvi muito que não dava para viver de música instrumental, que o Brasil não tem circuito, que o nosso país tá uma m., que não dá nem para viver de música direito e tal. Enfim, hoje eu pago minhas contas com o 'Sangue Negro'. Vivo só da minha música, porque não consigo nem tocar com ninguém mais. No máximo, fazer uma participação”, comenta. “A gente tem uma cultura muito do instrumentista que acompanha o cantor. Então, o cara tem um trabalho dele, legal... por exemplo, o Arthur Maia, que é um grande baixista... Mas sempre tem um cantor na frente. Acho que isso está mudando”, acredita.
O guitarrista e cantor Felipe Cordeiro lançou no ano passado, ao lado do pai, o também guitarrista Manoel Cordeiro, o álbum “Combo Cordeiro”, do projeto homônimo de música instrumental criado pela dupla, que mistura a guitarra típica do Norte do país com batidas eletrônicas. Eles circularam com o show e, este ano, além de se apresentar na Rússia, como parte das atrações brasileiras na Copa, fizeram uma minitour que passou por Lisboa, Porto, Tenerife (nas Ilhas Canárias) e Berlim. “Foi muito bom, a gente tocou em espaços diferentes: teve casa de show noturna, lugares que eram mais baladas, outras mais sossegadas, digamos assim. Como é uma música instrumental dançante, com essa coisa que temos no nosso DNA, da influência caribenha, com um mergulho eletrônico, umas deliradas assim, acabamos transitando por lugares diversos”, explica.
Ele lembra que a primeira lambada gravada no país foi uma faixa instrumental (“Lambada Sambão”, de Pinduca, de 1976) e que muitas faixas do gênero já eram um prenúncio da guitarrada, totalmente instrumentais ou apenas com refrões. E acredita na força dessa música instrumental de perfil pop. “Sem dúvida nenhuma, ela é viável comercialmente. Vejo festivais de música de vários perfis com bandas instrumentais. Elas estão aí, circulando no Brasil e no mundo”, diz. “Agora, a presença dela sempre foi relevante no país, fosse no jazz ou nas coisas que têm influencia dele ou de música erudita... essas coisas tipo samba-jazz ou até expoentes mais singulares, como Egberto Gismonti ou Hermeto Pascoal. Não vivi isso tão de perto, então não sei se vendia discos, mas tenho impressão de que são muito presentes até hoje. Eu vejo o Hamilton de Holanda, por exemplo, lotando o Circo Voador. Eu e meu pai tocamos lá com ele, e foi incrível”, conta Felipe Cordeiro.
Felipe Cordeiro e o pai, Manuel Cordeiro. Foto de José de Holanda
À frente do projeto Hamilton de Holanda e do Baile do Almeidinha (que, em 2015, virou disco) por cinco anos, até 2017, o bandolinista vê o sucesso do projeto como sucessor de outros trabalhos de música instrumental que tiveram pouso na icônica casa de shows carioca. O repertório sempre passou por clássicos da música brasileira (Pixinguinha, Paulinho da Viola, Cartola e Tom Jobim) e novidades, com direito a convidados dos mais diversos estilos musicais a cada edição. “Bom, o Circo Voador já tem uma tradição, né? O baile do Paulo Moura (Paulo Moura e Orquestra, nos anos 1980), o Severino Araújo com a Orquestra Tabajara (Domingueira Voadora, que durou mais de 15 anos). O Baile do Almeidinha continua essa história. O Circo é um lugar que tem essa tradição de mostrar as coisas que acontecem no Rio de Janeiro. Naturalmente, isso reverbera para o Brasil e o mundo inteiro. O carioca se identificou muito com o Baile do Almeidinha: o tipo de música, o tipo de frequência, o tipo de alegria, sabe? Eu vejo um movimento muito positivo na minha carreira por fazer o Baile do Almeidinha”, comemora Holanda.
Amaro Freitas acredita que o público está se abrindo para o gênero e que a representatividade também é um fator muito importante dentro desse processo. “O negro que me vê tocando piano, porque a gente tem pouquíssimos pianistas negros conhecidos no Brasil, como Dom Salvador, como o Mestre Moacir Santos, que é pernambucano e mal é conhecido aqui, então esse cara que me vê sente uma coisa muito forte ali, sabe? 'Meu irmão, o cara chegou, então eu posso chegar ali também'”, analisa ele. “Fiz um show no Conservatório Pernambucano de Música aqui, e tinha uma plateia muito variada, que, para mim, significava essa representatividade: o negro, o cara da periferia, porque eu venho de lá, o cara que quer estudar piano e quer sair dessa caixinha do piano pop tradicional, e o cara da igreja. Também venho da igreja e sei que ela tem uma importância grande nas comunidades. Já escutei de um cara que vendia salsichão na rua: 'Eu não tô entendo p... nenhuma, mas é muito bom teu som.' Isso para mim é que é a parada”, comemora o pianista.