Em entrevista ao site, compositor fala da canção-manifesto “Nenhum Direito a Menos”, do disco recém-lançado, do seu processo criativo menos urgente e acelerado e da frequente inserção de suas músicas em produtos audiovisuais
Do Rio
Foto de Flora Negri
Aos 50 anos de vida, 30 de carreira, Paulinho Moska desacelerou. Nos 13 anos em que esteve contratado por uma grande gravadora, lançou um disco a cada 18 meses, “sem tempo para trabalhar nada, uma metralhadora de ritmo muito urgente e respostas imediatas”. Desde 2003, de forma independente, lançou três, uma média de um a cada pouco mais de sete anos, sendo o mais recente, “Beleza e Medo”, entregue na última sexta-feira.
A diferença é notável.
Com mais reflexão, as canções dos três últimos trabalhos — “Tudo Novo de Novo” (2003), “Muito Pouco” (2010) e “Beleza e Medo” (2018) — respondem, todas elas, a um conceito de dualidade que ele diz definir sua personalidade. “Novo de novo, muito e pouco, beleza e medo... Se trata de uma trilogia da dualidade, de como funciona a minha cabeça. Eu vejo o mundo meio assim, num equilíbrio entre essas coisas. Começo a entender que esses anos todos que venho demorando para fazer um álbum são dedicados à busca de uma nova dualidade.”
Uma das canções mais comentadas é um protesto político de tons e tintas não de todo frequentes na obra de Moska. “Nenhum Direito a Menos”, com letra de Carlos Rennó, denuncia retrocessos neste momento político e social complicado que atravessa o país. “Nesse momento de gritante retrocesso/ de um temerário e incompetente mau congresso/ em que poderes ainda mais podres que antes/ põem em liquidação direitos importantes( eu quero diante desses homens tão obscenos/ poder gritar de coração e peito plenos:/ não quero mais nenhum direito a menos”, diz o contundente início. Em outro trecho, Moska faz uma exposição de princípios: “Nessa nação onde se mata e trata mal/ mulher e pobre, preto e jovem, índio e tal/ onde nem lésbica nem gay nem bi nem trans/ são plenamente cidadãos e cidadãs/ não quero mais cantar meus versos mais amenos/ a menos que antes seus direitos sejam plenos.”
LEIA MAIS: No final do texto, outras canções de protesto que têm surgido nos últimos tempos no país
Nesta entrevista com o site da UBC, Moska fala sobre o contexto da criação da música e do novo disco, sobre sua predileção pelo conceito de álbum sobre os lançamentos de singles soltos, sobre as constantes sincronizações de músicas suas em produtos audiovisuais, que lhe rendem uma estabilidade suficiente para poder criar seus trabalhos e sobre seu processo artístico.
Já tem dados sobre a resposta ao lançamento da última sexta-feira?
Não sou um artista tão mainstream e que tenha esse perfil do lançamento medido por números. Eu vinha há anos num ritmo muito urgente e de respostas imediatas. Fui contratado da EMI por 13 anos, lançava um disco a cada 18 meses, a música de trabalho tinha que dar certo, não tinha muita opção. Então, desde 2003, com o “Tudo Novo de Novo”, abri mão dessa expectativa, dessa coisa de estourar. Meus projetos agora duram sete anos. São mesmo como um filho: nascem, a gente alimenta, protege do frio, expõe ao sol, faz crescer...
Como garantir que durem tanto?
Quando eu faço um album, tenho que ter dez canções que, de alguma forma, possam funcionar. Armar um álbum é um grande desafio, diferente do tiro do single. O lance é você dar tempo para o público assimilar o disco devagar, ir trabalhando as canções devagar. Vêm os shows, uma canção numa novela, num filme, nas rádios. “A Idade do Céu”, versão que escrevi de uma música do (uruguaio Jorge) Drexler entrou na trilha de três novelas diferentes. Um álbum tem isso. E só acontece quando você se dedica muito tempo antes e depois de lançá-lo. Agora, para a turnê do "Beleza e Medo", já armei uma banda diferente da do disco, já quero mexer na sonoridade nos shows para, num futuro próximo, gravar um DVD com releituras das canções, destas e das minhas anteriores. E quero que as canções tenham vida longa.
Por que essa escolha?
Eu tenho 50 anos, não dá para ficar lançando disco toda hora. Só muito jovem, mesmo para encarar um a cada 18 meses. Fiz sete assim. Ficou lá atrás. Eu comecei a gostar de música pegando LP na mão, ouvindo Beatles, Caetano, Chico. O disco tinha um conceito. Era um livro. Tinha introdução, ápice, fechamento... Para mim, é importante fazer um álbum. Como se fosse um escritor que quisesse contar uma história. Um álbum de fotografia daquele tempo, do que você quer dizer, do que mudou. Olhando os meus álbuns, consigo desenhar internamente minha carreira e lapidá-la. Talvez seja uma questão da minha formação: não me satisfaço em só lançar singles.
E também tem o meu momento de vida: o “Beleza e Medo” é a primeira vez em que parto para uma poesia mais direta. Algumas canções têm um tipo de approachque eu nunca tive: um dedo na ferida mais direto do que eu costumo fazer. E, se eu não tenho um disco inteiro para me sustentar, talvez meu grito morra rápido.
Seus álbuns também têm tido mais canções do que antes.
O disco anterior, o duplo "Muito Pouco", tinha 18 músicas. Como é que trabalha isso? Aos poucos, com tempo. Um álbum é um projeto de vida. Vou passar pelo menos uns cinco anos com esse disco novo.
Como consegue emplacar tantas canções em novelas e outros produtos audiovisuais?
Não sei. Quando me ligam, é porque, penso eu, minhas canções talvez sirvam bem ao audiovisual. Canções minhas já foram trilhas de cinema também. As minhas letras, de alguma maneira, com as metáforas que eu uso, podem servir para o audiovisual. Deve ser isso. Os autores e diretores também são da minha geração. É natural que acompanhemos os trabalhos um dos outros.
Ou seja, tudo vai surgindo quase que naturalmente...
Quando lancei o "Tudo Novo de Novo" de forma independente, e me livrei da urgência de ter um disco novo um ano e meio depois, comecei a descobrir qual era meu ritmo. Acho que as coisas foram se encaixando. A vantagem de poder ir na esquina, no estudio do meu amigo Nilo Romero, e gravar alguma coisa rápida me ajuda. Quando um diretor ou um autor de novela me convida para criar um tema, vou no Nilo e já gravo uma prévia. Do jeito que quero. O que eu faço é música popular, um pouco do que eu ouvi na vida: MPB, pop e rock. A canção é minha rainha. Uma letra bem escrita com uma melodia que parece que você já ouviu é minha fórmula do sucesso. Não invento nada. É sempre uma colagem de coisas que eu nem sei de onde vêm. Para eu acreditar que uma canção minha pode ser um sucesso, ela tem que parecer com alguma coisa que todo mundo ouviu, tem que flutuar no inconsciente coletivo.
Não dá para negar que essa presença constante no audiovisual lhe dá tranquilidade financeira para poder criar suas outras coisas...
Claro que sim, o audiovisual me ajuda a ter uma tranquilidade conquistada e, agora, poder lançar um disco a cada sete anos com uma ideia mais fundamentada. E essas ideias, nos últimos três discos, se você perceber, têm dialogado sempre com o conceito da dualidade ao qual eu me refiro sempre. Como é essa coisa de muito e pouco? Como é novo de novo? Como é beleza e medo? Essa sensação paradoxal me leva a pensar que devo gravar um novo disco.
No caso da canção mais “dedo na ferida”, como você diz, não há dualidade: há uma mensagem clara de protesto.
As músicas de protesto começaram a renascer, e eu não sou o primeiro a fazer agora. Estamos sendo obrigados a nos manifestar. O Brasil, a América Latina e o mundo evidenciam como as coisas são feitas. A tecnologia da informação trouxe uma quantidade de dados que mostram que o poder econômico tem uma função de Deus no mundo. Com o governo atual, (vieram) a diminuição das ações sociais, o recrudescimento desse movimento fascista de direita. E o governo congela gastos em saúde e educação e gasta bilhões comprando congressistas, empresas, liberando impostos bilionários de certos setores. Há descompasso grande entre o poder público e a população. A gente tem a sensação de que está tudo errado. Não estou defendendo o governo anterior, o PT se sujou demais, se corrompeu e se juntou ao pior da política. É sempre o domínio do poder econômico. O que a gente pode fazer é se manifestar em prol de algumas minorias. Se apertar mais do que já está apertado, vai ter revolução, violência. Negro, indígenas, mulheres, mundo científicos, comunidade LGBT, é muita gente massacrada aqui. Não sou militante de rede. Prefiro criar coisas com impacto grande, que nem sei qual é, impacto coletivo. É o caso da canção.
Você convidou o Carlos Rennó para compor a letra? Como foi isso?
Sim, disse a ele: “Rennó, quero me manifestar”. O projeto inicial do álbum seria com canções sobre amor, beleza, filosofia... Procuro fazer discos que não sejam pesados. Mas não consegui. Comecei a sentir medo do que está para acontecer e propus canção-manifesto que não fosse tão partidária, mas que defendesse o direito à vida, a ser quem se é, que defendesse a igualdade de condições. Quando ele veio com a ideia de falar sobre direitos, o disco mudou inteiro. Você começa a entrar no desespero quando vê que a coisa vai para o buraco. Aparece um Bolsonaro liderando, dá medo de viver neste país. Eu fui impelido a começar a me posicionar. E, assim, o repertório foi sendo equilibrado. A última canção é “Minha Lágrima Salta”: você chora de tristeza, alegria, amor, falta de amor, felicidade, solidão... A lágrima é ambígua. Então, a canção começa com a palavra fim. Vou fazendo jogos. O disco é pensado assim de cabo a rabo.
Outras canções de cunho político lançadas nos últimos meses
Artistas têm se posicionado cada vez mais em meio a um ambiente político de confrontação e extremismos. Confira alguns exemplos:
“Vem Pra Rua Tomar na Cabeça um Passo Novo”, do mais recente álbum do Mundo Livre S/A, “Dança dos Não Famosos”, que faz alusões a protestos de rua — e suas motivações conflitantes —, e à violência policial.
“Selvagem”, novo single de Emicida, com referências jocosas ao MBL, movimento de direita que capitaneou parte da mobilização de rua contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
“Lucro (Descomprimindo)”, presente no disco “Duas Cidades”, do BaianaSystem, que, nesta e em outras faixas, ataca a especulação imobiliária, o poder econômico, o racismo, as diferenças de classes e as más práticas políticas.
“Manifestação”, parceria de Carlos Rennó, Rincon Paciência, Russo Passapusso e Xuxa Levy, ataca as mazelas sociais brasileiras, elude às manifestações e tem participações de Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Criolo, Rael, Rico Dalasam, Paulo Miklos, As Bahias e a Cozinha Mineira, Ellen Oléria, Bnegão, Filipe Catto, Moska, Pretinho da Serrinha, Chico César, Luedji Luna, Siba, Xênia França, Larissa Luz, Ludmilla, Pedro Luís e outros. Ganhou clipe produzido pela “Anistia Internacional”.