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Por que gigantes do mercado musical estão demitindo milhares?
Publicado em 23/01/2024

Desde o ano passado, Spotify, Tidal, Warner, Universal e YouTube vêm anunciando inúmeros cortes; especialistas analisam razões

Por Ricardo Silva, de São Paulo

Colaboração de Alessandro Soler, de São Paulo

Até dezembro, o Spotify cortou 2.300 vagas em todo mundo, ou 23% da força de trabalho que tinha no início de 2023. Já o Tidal, plataforma de streaming que um dia foi controlada por artistas (Jay-Z e Beyoncé chegaram a ser sócios), eliminou 10% do seu quadro de empregados — ou 40 pessoas. A Warner Music extinguiu 270 vagas ano passado, algo assim como 4% do seu total mundial, e a Universal Music anunciou semana passada que fará o mesmo ao longo de 2024, em número ainda não definido (mas que, estima-se, será da ordem de “centenas”). Também na semana passada, o YouTube confirmou que mandará 100 pessoas para a rua, várias delas do seu departamento de música. E esta semana está sendo a vez do TikTok, com ao menos 60 demissões.

Enquanto isso, os números da indústria musical são desconcertantemente positivos:

  • Como mostrou o mais recente relatório da IFPI, a federação internacional dos produtores fonográficos, o mercado de música gravada alcançou US$ 26,2 bilhões em 2022, salto de 9% em relação a 2021.
  • Analistas estimam um crescimento equivalente ou até maior em 2023.
  • E o economista britânico Will Page, especialista em música, cravou em um estudo de novembro, sobre o qual ele falou ao site da UBC, que, somadas as receitas da gestão coletiva, da música gravada e da edição musical, o total gerado no mundo alcançou US$ 41,5 bilhões, sedimentando a recuperação total pós-pandemia.

Afinal, então, por que algumas das principais plataformas de streaming e pesos-pesados da gravação e edição musicais estão tendo que cortar da própria carne?

Para o analista de mercado Alex Wilhem, do Tech Crunch, a resposta é simples: quase todas elas experimentaram um grande inchaço nestes últimos dez anos de expansão da indústria musical e do segmento digital. Agora, têm “muitas dívidas e gente demais” trabalhando.

“Os números individuais de quase todas elas são relativamente bons. Tomemos o Spotify, por exemplo. Receitas gigantes de € 3,4 bilhões no terceiro trimestre de 2023, com crescimento de 11% em relação ao mesmo período do ano anterior. E voltou a ter lucro! Especificamente, € 32 milhões no azul, algo notável para uma plataforma que costuma operar no vermelho. Mas, como as outras, está cortando vagas porque quer voltar a atrair o respeito dos investidores financeiros, que andava perdido. E como se atrai respeito de investidor? Ora, demitindo funcionários, é claro”, ele disse.

O Spotify anunciou escalonadamente os cortes de milhares de pessoas, em três vezes ao longo de 2023 (janeiro, junho e dezembro). Coincidência ou não, foram períodos de transição entre trimestres fiscais, e os anúncios foram acompanhados de reações imediatas (e positivas) na Bolsa de Nova York, principal praça onde seus papéis são negociados. A valorização nas ações da plataforma foi de mais de 105% entre janeiro de 2023 e esta segunda (22).

Mas a aparente festa na bolsa pode esconder problemas para todas as big techs: um cansaço no ciclo de financiamento com dinheiro do mercado financeiro. É o que explicou Leonardo De Marchi, pesquisador da indústria musical e cocoordenador do programa de pós-graduação em Comunicação da ECO/UFRJ.

Como ele contou, os principais financiadores do crescimento do streaming nas duas primeiras décadas do novo modelo digital foram investidores financeiros. Mesmo operando no vermelho, o Spotify continuava a ser visto como um ativo interessante porque oferecia uma promessa de enorme expansão na sua base de assinantes — e suas cifras exuberantes durante a pandemia parecem ser um símbolo disso.

“Agora, o crescimento perdeu fôlego, e o mercado está olhando para outro lado, o streaming deixou de ser tão interessante. Isso é um problema para essas empresas porque, uma vez financeirizadas, elas precisam estar quase que literalmente todo dia aumentando o valor das suas ações”, ele afirmou.

De Marchi mencionou ainda outro fator para esta fase de ajustes nos quadros de funcionários. As grandes gravadoras/editoras, elas próprias financeirizadas, têm exercido pressão sobre o streaming para manter em alta os pagamentos de royalties que recebem.

“Não é à toa que o Spotify anunciou recentemente uma mudança na política de pagamentos de royalties. Impor um limite mínimo de mil plays por ano, em última instância, privilegia artistas que têm maior número de escutas, beneficiando as grandes gravadoras”, avaliou.

A demissão de dezenas ou centenas de pessoas, para enxugar os custos, seria uma ação direta para tentar manter-se atraente para o mercado e lucrativa.

Isto quer dizer, então, que tanto as plataformas que demitem como as gravadoras e até o YouTube estão em maus lençóis?

“Não há indicações disso. Dentro de uma lógica de forte vinculação com o mercado financeiro, cortes assim são normais e, inclusive, bem-vistos. Aliás, estão ocorrendo também em big techs que trabalham com outros segmentos além da música: Amazon, Twitch, Pixar, Google…”, explicou Elaine Brandão, analista do mercado financeiro com foco em música.

Ela lembrou que a Universal, com receitas acumuladas de janeiro a setembro de 2023 (último dado disponível) de quase US$ 8 bilhões — alta de 6,8% em relação a 2022 — registra uma valorização de 20% em suas ações na Bolsa de Amsterdã nos últimos 12 meses. A Warner, que superou pela primeira vez US$ 6 bilhões em receitas no seu ano fiscal encerrado em setembro, também vem em trajetória de valorização em Nasdaq.

“Mas a lógica é mesmo essa: continuar a crescer, continuar a transmitir ao mercado a ideia de que são rentáveis e economicamente saudáveis. No momento, eu diria que os artistas, criadores, titulares de direitos autorais e outras partes envolvidas em contratos e negócios com essas empresas não precisam se preocupar”, ela afirmou.

Para De Marchi, as demissões tendem a sinalizar maiores investimentos das empresas em trabalhos realizados por inteligência artificial. Já do ponto de vista da gestão do catálogo, é possível que este momento de maior cautela, sobretudo por parte das grandes gravadoras, se traduza em menos apostas em novos nomes ou em artistas que não sejam garantia de altas vendas e lucro:

“Outras possibilidades, como o uso intensivo de música feita por IA, também estão no horizonte. Tudo pode ser.”

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