Veto às leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo pelo governo será analisado; artistas se mobilizam
De São Paulo
Foto: artistas participam de sessão da Comissão de Cultura da Câmara nesta segunda-feira (13) - reprodução TV Câmara
Prevista para esta terça-feira (14), a sessão do Congresso Nacional que debateria os vetos do governo Bolsonaro a duas leis de incentivo à cultura — Aldir Blanc e Paulo Gustavo — foi adiada para 5 de julho por falta de garantia de quórum. Por acordo entre representantes do Executivo e da oposição, o debate fica suspenso, enquanto artistas se mobilizam pela derrubada dos vetos e o governo trabalha na sua argumentação para sustentá-los.
A Lei Paulo Gustavo (PLP 73/2021) destinaria R$ 3,9 bilhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC) para estados e municípios investirem em projetos culturais; e a Lei Aldir Blanc 2 (PL 1.518/2021) estenderia por cinco anos os benefícios da política de fomento à cultura criada em 2020, com uma previsão de investimento total de R$ 3 bilhões no período.
Em ambos os casos, o governo alegou "inconstitucionalidade" para vetar as leis. No caso da Aldir Blanc 2, por exemplo, a argumentação do executivo é de que feria a Lei de Responsabilidade Fiscal e a do teto de gastos. Juristas contestam, sustentando que o próprio texto da lei prevê investimentos espaçados ao longo do quinquênio.
Na ocasião dos vetos, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lembrou que as propostas foram aprovadas com "muita força", sugerindo que a tendência é de derrubada dos vetos pelos congressistas.
Nesta segunda, atores, atrizes e produtores participaram de uma sessão na Comissão de Cultura da Câmara em que foram apresentados argumentos pela derrubada dos vetos. Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro (APTR) e um dos mais ativos representantes dos artistas no tema, lembrou que o acordo que adiou para 5 de julho a votação não veio acompanhado de nenhum tipo de compromisso dos senadores pela validação das leis. Até lá, entretanto, ele crê que as indústrias criativas e culturais serão capazes de convencer os parlamentares:
"Durante esse tempo será construída toda uma articulação política para que a base do governo e todos os líderes votem a favor da derrubada dos dois vetos, o que é fundamental para nós."
Na segunda-feira (13), um grupo de criadores e produtores de diversas áreas, da música às letras, passando pelo teatro e o cinema, publicou uma carta aberta ao Congresso com farta argumentação jurídica a favor das leis. Entre os signatários, nomes do mundo musical como Alceu Valença, Caetano Veloso, Chico Buarque, Fagner, Gilberto Gil, Leci Brandão, Lia de Itamaracá e Renato Teixeira, além das atrizes Fernanda Montenegro, Léa Garcia e Marieta Severo, do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, do jornalista e escritor Zuenir Ventura e de Maria José de Lima Soares, presidente do grupo de bumba meu boi Boi de Maracanã (MA), entre muitos outros.
"As Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 são complementares, com fontes financeiras diferentes e execução financeira em momentos diferentes. Estas Leis abrem um novo momento para as políticas culturais no Brasil. Ambas as Leis tiveram amplo apoio quando de sua aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A derrubada dos vetos reafirma o compromisso do Congresso Nacional com a cultura e o povo brasileiro", disseram os artistas num trecho da carta.
Em outro momento, foram ainda mais taxativos:
"Não pedimos por estas Leis em benefício próprio, pois já temos carreiras bastante sólidas. Pedimos pelos que estão vindo depois de nós e que tem grandes expectativas e também incertezas quanto ao futuro. É uma grande aposta na cultura brasileira, que passará a contar com um modelo de financiamento capaz de concretizar o que está escrito em nossa Constituição Federal."
Confira a carta na íntegra:
CARTA AO FUTURO DA CULTURA BRASILEIRA
Pela derrubada dos vetos às Leis da Cultura: Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo
Excelentíssimos Senhores e Senhoras Congressistas,
Em primeiro lugar, manifestamos nossa gratidão por manterem as portas, corredores e plenários abertos às demandas e aspirações profundas e legítimas da cidadania brasileira. Quando o Dr. Ulysses Guimarães proclamou a Constituição de 1988, selou o destino do Congresso Nacional: a casa do diálogo, da temperança, da pacificação e da busca dos consensos possíveis, hoje tão necessários no atual contexto de polarização política e social do país. E é em busca de um consenso que nos dirigimos às vossas excelências, em nome do futuro da cultura brasileira.
O direito à cultura foi inscrito e consagrado em nossa Carta Magna, que preconiza, em seu artigo 215:
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais (Art. 215, Caput).
Ocorre que, mais de três décadas após a proclamação da Constituinte, ainda resta um longo caminho para que a cultura seja, de fato, um direito de todos os brasileiros e brasileiras, sem distinção. Um direito que atravesse o Brasil profundo, da Amazônia ao sertão, dos pampas ao litoral, que se reflita não só no acesso aos bens, produtos e serviços culturais, mas também na democratização dos meios de expressão e produção da cultura e da arte.
Que promova o desenvolvimento da indústria cultural, que gere emprego e renda, que valorize as tradições e costumes de nossa gente, que incentive experimentações estéticas. Cultura como tradição, mas também como invenção. O Brasil precisa de uma Política Nacional de Fomento à Cultura voltada aos trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural, que beneficiará o conjunto da sociedade brasileira.
Uma Lei federativa e municipalista, que contemple destinação aos mais diversos setores e segmentos da cultura brasileira, fortalecendo a economia local, descentralizando a gestão e fortalecendo os pequenos. Uma Lei que faça cumprir o comando constitucional e destine recursos do Orçamento Geral da União para o fomento à cultura nos estados e municípios, designando responsabilidades, processos, beneficiários, aplicação dos recursos e modelos de financiamento. Durante a pandemia, quando fomos os primeiros a parar e um dos últimos setores a poder retomar plenamente as atividades, o Congresso Nacional veio em socorro da cultura. Aprovou a Lei de Emergência Cultural, batizada de Lei Aldir Blanc, em homenagem a este menestrel do cancioneiro popular brasileiro, uma das milhares de vítimas da covid-19 no Brasil. Esta Lei cumpre os artigos 215 e 216 da CF.
Em dois anos, a Lei Aldir Blanc empregou R$ 3 bilhões no maior programa de fomento direto e transferência de recursos da história das políticas culturais no Brasil. O que era uma medida emergencial revelou-se uma política necessária, permanente e estruturante, por isso a aprovação da Lei Aldir Blanc 2 por esse Congresso. O que foi uma conquista, construída de baixo pra cima com ampla participação e mobilização da sociedade, precisa se transformar em um direito. Esse é o objetivo da Lei Aldir Blanc 2.
A Lei Aldir Blanc (LAB) beneficiou mais de 4.700 municípios. De forma descentralizada e desburocratizada, os recursos chegaram a regiões nunca antes contempladas em processos seletivos culturais. Segundo pesquisa do Itaú Cultural, a LAB promoveu a criação de mais de 400 mil postos de trabalho diretos.
Já a Lei Paulo Gustavo destina R$ 3,86 bilhões, pela União, a estados e municípios para o enfrentamento dos efeitos da pandemia sobre o setor cultural. Uma Lei de caráter emergencial, considerando que os efeitos da pandemia sobre o setor cultural serão de longo alcance e que utiliza recursos já existentes nos Fundos Públicos: Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e outros recursos do Fundo Nacional de Cultura ( FNC).
As Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 são complementares, com fontes financeiras diferentes e execução financeira em momentos diferentes. Estas Leis abrem um novo momento para as políticas culturais no Brasil. Ambas as Leis tiveram amplo apoio quando de sua aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A derrubada dos vetos reafirma o compromisso do Congresso Nacional com a cultura e o povo brasileiro.
Não pedimos por estas Leis em benefício próprio, pois já temos carreiras bastante sólidas. Pedimos pelos que estão vindo depois de nós e que tem grandes expectativas e também incertezas quanto ao futuro. É uma grande aposta na cultura brasileira, que passará a contar com um modelo de financiamento capaz de concretizar o que está escrito em nossa Constituição Federal.
À nossa voz se somam vozes da diversidade cultural do Brasil, do rap ao repente, do samba ao frevo, da tradição oral à cultura digital, do rural ao urbano, da favela ao assentamento, do morro ao asfalto. Nosso pedido é um só: derrubem os vetos da cultura!
Alceu Valença – cantor e compositor
Caetano Veloso – cantor e compositor
Chico Buarque – cantor e compositor
Emiliano Queiroz – ator
Fagner – cantor e compositor
Fernanda Montenegro – atriz
Gilberto Gil – cantor e compositor
Léa Garcia – atriz
Leci Brandão – cantora, compositora e deputada estadual
Lia de Itamaracá – mestra e cantora
Luiz Carlos Barreto – cineasta
Ivan Lins – cantor e compositor
Maciel Melo – cantor e compositor
Maria José de Lima Soares – presidente do Boi de Maracanã (MA)
Marieta Severo – atriz
Renato Teixeira – cantor e compositor
Santanna, O Cantador – cantor e compositor
Zuenir Ventura – jornalista e escritor
Fique ligado nos canais informativos da UBC e conheça, nos próximos dias, os desdobramentos da discussão sobre a derrubada dos vetos.
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