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Cantora e compositora lança disco 100% Djavan e vê guinada na carreira após o 'The Voice'

Por Alessandro Soler, do Rio 

Fotos de Catarina Ribeiro

Leila Maria vive um momento único, especial, na carreira. "Em 30 minutos de TV Globo tive mais exposição que em 30 anos dedicados à música", resume a cantora e compositora, aludindo à sua exitosa participação no programa "The Voice +", no qual chegou às finais e surpreendeu o Brasil com uma voz afinada, cristalina, e um estilo suave de cantar MPB com tempero jazzístico. O jazz, gênero que escolheu para começar sua trajetória — "precisava de um diferencial, mulher negra da minha geração cantando MPB você conta nos dedos" —, não ficou para trás, mas agora virou mais uma nota, um sabor, no mergulho na canção popular que ela faz. 

Leila acaba de lançar "Ubuntu", com a participação de grandes artistas da música (Maria Bethânia entre eles) e repertório 100% Djavan, ao qual ela e o produtor Guilherme Kastrup despejaram atabaques, ngonis, tambores — e também pianos, flautas, baixos, guitarras —, formando um caleidoscópio sonoro de fortíssimo sotaque africano. "Foi um dos maiores mergulhos que já fiz em mim mesma", afirma a artista, que tem mais de 50 composições compostas ao longo dos anos e faz planos para mais: "Tenho coisas guardadas, o que me falta é mais segurança para trabalhá-las, gravá-las. As composições vêm para mim como uma conversa. Preciso soltá-las mais."

Por que um disco 100% Djavan?

São canções incríveis, sofisticadas, mas de mensagens ao mesmo tempo simples. Ele faz parte do meu universo particular. A Ana (Basbaum, produtora da Biscoito Fino, gravadora com a qual Leila tem contrato) chamou o Guilherme (Kastrup), que chegou com essa pegada africana. Ele tem contatos vindos de várias praias. É percussionista, a base é lá. E entendeu que simplesmente gravar ou regravar Djavan com pegada urbana seria só uma gravação mais. Esse diferencial me propiciou uma catarse, um dos maiores mergulhos que já fiz em mim mesma. Tenho a herança africana na pele. Um dos meus avós trabalhava com candomblé, umbanda. Havia elementos espalhados, mas não era algo que entrasse em mim tão visceralmente. Não que eu fosse alienada sobre questões raciais, eu as vivi. Mas esse mergulho tão profundo na cultura africana foi inédito. Os dois únicos brancos são Guilherme e Ana. O resto todo é negro.

Muitos dos músicos são, inclusive, africanos, não?

Tem gente do Mali (o maestro Ahmed Fofana e o percussionista Assaba Drame), de Moçambique (os músicos Milton Guli e Otis Selimane), de Angola (o grupo Vocal Kuimba), do Congo (o guitarrista Zola Star, o multi-instrumentista de origem congolesa François Muleka), muitos brasileiros de origem africana (de Maíra Freitas, Jackie Cunha e Beth Beli a Ana Karina, Jonas Moncaio, Sintia Piccin e Richard Fermino). Foi uma comoção. Para o afro-brasileiro, por conta da diáspora, é muito difícil fazer a árvore genealógica. A conexão é com o coletivo, é cultural. 

Negro também é o jazz no qual você começou. Ficou num segundo plano agora?

Não estou menos jazz, não. Ouvindo o disco você vê que a abertura é tamanha, é world music, e tem lá o tempero jazz. De qualquer maneira, o jazz é um nicho. Nunca fiquei plantada ali. Meu primeiro CD, de 1997, tinha uma única música em inglês. Tinha sete composições minhas, outras de compositores variados, de Caetano a Djavan mesmo, Belchior, Fagner… Tinha Cole Porter também. Para mim, o jazz era a porta de entrada básica, pelo meu estilo de voz e pelo fato de a MPB ter uma certa resistência a cantoras do meu perfil, uma negra que não canta samba... O resultado é que, ao longo da minha carreira, ninguém me achava, porque era difícil me colocar numa gaveta.

Na própria música baiana, Margareth é das poucas...

Exato. No meu caso, venho sofrendo ou passando por isso desde sempre. Como não me encaixava no padrão que estão acostumados a ver, de Adriana Calcanhotto, Marisa Monte, todas ecléticas e ótimas, eu não conseguia me mover ali. Frequentemente me perguntavam se eu não sabia um pagode, um samba, para cantar... Não que não goste desses gêneros, adoro! Sou portelense, moro em Madureira (bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro). Mas minha expressão não passa por aí. Hoje entendo quem sou: uma cantora popular, da estirpe de Maria Bethânia ou Billie Holiday no sentido da música como texto, como conversa. Eu procuro interpretar o que canto, como elas. Usei o jazz como uma ponte para chegar aonde estou.

Falando em Bethânia, como foi a participação dela no disco?

Uma grande surpresa. Ana sugeriu que a gente pensasse uma participação impactante, tipo Gal ou Bethânia. A Bethânia tem uma linha parecida à minha, de interpretação quase cênica. Me sinto mais próxima dela. E ela topou. Foi o maior presente. Nos encontramos rapidamente depois. Estar com alguém a quem admiro tanto foi ótimo. E ela curtiu, disse que gostou. Fiquei muito emocionada, até chorei sem ninguém ver (risos). Tenho tido com esse disco muitas emoções. Agradeço ao meu caminhar. Não parei de trabalhar. A minha trajetória até chegar ao programa foi dura, parei várias vezes. Mas continuei. Não podia ser diferente. A coisa que eu tenho de melhor para oferecer ao mundo é a minha voz, a minha arte.

Como está a recepção ao disco?

Muito boa. Não apenas da crítica mas, principalmente, do povo, das pessoas. Cheguei a ter momentos comoventes. Depois de tanto tempo, né, meu amigo?, receber essa resposta das pessoas... é isso que faz valer. Não sou muito boa administradora de redes sociais (risos), tenho gente que faz isso por mim. Mas eles recolhem os comentários e me passam. Me ligo particularmente nessa resposta emocional. Meu público não é muito grande, mas que delícia é estar perto dele. Canto para as pessoas, para a gente, preciso do calor e da resposta. 

Como você planeja estar mais próxima fisicamente desses fãs, dos de antes e dos muitos novos? Vai ter turnê?

Estamos numa fase bem incipiente. Ainda não comecei a ensaiar. Há uma dificuldade logística importante, pelo fato de a banda ser formada por elementos que estão espalhados por São Paulo, Florianópolis, Rio… A agenda de todos eles está cheia, todos tocam com grandes nomes. Mas nas próximas semanas vamos começar a configurar esse show, os ensaios possivelmente serão em São Paulo. Ainda não tem agenda, mas eu sei que vai sair.

Como você define este momento da sua carreira? O que a participação no The Voice significou para o seu reconhecimento?

Significou isso: eu estou podendo falar agora com você (risos). Eu tenho praticamente 40 anos de carreira, mas parei e voltei algumas vezes. São 30 anos efetivos. Em 30 minutos de TV Globo, somadas as minhas seis participações, tive mais exposição que em 30 anos dedicados à música. Com isso, tenho um número imensamente maior de público. Foi por isso que eu entrei (no programa). Eles fazem uma pequena prévia, uma entrevista, que depois põem no ar enquanto a gente está se apresentando. Ali me perguntaram qual o meu interesse. Eu me virei para a câmera e disse: visibilidade. O prêmio que pretendia eu ganhei. Apesar de já ter dois discos pela Biscoito (um deles, "Holiday in Rio - Leila Maria canta Billie", ganhou o Prêmio da Música Brasileira em 2014), a Ana (Basbaum) certamente me convidou para assinar com eles depois do programa. Sou uma senhora já (risos), tenho 66 anos. Acho que era só isso que me faltava. Me faltava eu mesma (risos). 

Tem composto coisas novas? Pensa em lançar um outro de inéditas suas (o último foi "Tempo", de 2018, pela Biscoito)?

Tenho coisas guardadas. o que me falta é mais segurança para trabalhá-las, gravá-las. Eu não me acho compositora. Alguém que se denomine assim tem que ter grande produção. Eu tenho umas 50 composições. Tenho autocrítica muito séria (risos). Gravei coisas minhas, sim. No primeiro CD tinha sete coisas minhas. Eu fico me comparando, cobrando. Para eu soltar essas sete, foi uma dificuldade na época. Mas a verdade é que as composições vêm para mim como uma conversa. Vem a melodia junto com a letra. É como se estivesse conversando com alguém. Gosto de pensar nas letras, nas palavras, no que quero dizer. Preciso soltá-las mais.

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