Foto: Martin Ogolter / Divulgação
Em uma conversa sincera, o compositor de sucessos como "Sapato Velho" e "Chocolate Com Pimenta" fala sobre obras para audiovisual, buyout e lançamento de álbum em homenagem à Caetano Veloso
Por Akemy Morimoto, do Rio
Compositor, pianista, arranjador e produtor, Mú Carvalho é uma grande referência no mercado musical brasileiro. Fundador e integrante de A Cor Do Som, ele teve seu talento composicional confirmado por grandes sucessos, como "Sapato Velho" (com Paulinho Tapajos), "Terra do Nunca" e "Chocolate Com Pimenta" (com Aldir Blanc). Além disso, Mú também criou a trilha sonora de mais de 15 filmes e 20 telenovelas da TV Globo. Com cerca de 50 anos de carreira sólida e comprometida, o talentoso artista deu uma aula sobre produção musical ao falar sobre a sua trajetória e também contou sobre os seus novos projetos.
Como você se tornou compositor? O que veio antes, o pianista ou o compositor?
Comecei a tocar o piano ao mesmo tempo em que comecei a compor. Cada vez mais, acredito que a gente nasce compositor. Claro que quem estuda composição vai entregar um resultado nessa área, sem dúvida. Mas acho que, quando alguém traz no DNA — ou sei lá de onde — a composição, faz toda a diferença. Eu vejo hoje alguns intérpretes incríveis se dedicando a gravar músicas autorais e, claro, muita coisa bacana por conta de suas virtudes de intérpretes, mas fico imaginando esses mesmos profissionais gravando músicas de bons compositores. Puxa, seria lindo, assim como sempre fizeram Elis Regina e Gal Costa, por exemplo.
Como foi sua transição de compositor de músicas como “Semente do Amor”, “Swingue Menina” e “Sapato Velho” para a primeira criação de música original para audiovisual?
Com certeza a música dramatúrgica é um outro mundo. A gente tem que entender que ela faz parte de um todo, existe para trazer a emoção de uma cena, seja ela de romance, suspense ou comédia. E aí, existe técnica para isso. Quando me joguei nessa área, tive que colocar a mão na massa, ouvia muito os mestres Morricone, Mancini, John Williams e toda essa fonte de informação e inspiração. Fui entendendo que, às vezes, a gente tem que ser quase “invisível”, trabalhar com texturas harmônicas apenas, abandonando um pouco a melodia. Ao mesmo tempo, temos uma liberdade fascinante, nadando no terreno da música modal, por exemplo, sem aquelas fórmulas da música comercial, tipo introdução, parte A, parte B e refrão. É maravilhoso, passo a vida estudando.
São 30 anos criando e produzindo músicas para novela. Quantas novelas ao todo até agora? Alguma história curiosa ao longo desses 30 anos de criação?
Trabalhar na TV Globo foi uma das experiências maravilhosas da minha vida. Uma escola, um baile incrível. Fazer novela é diferente de cinema. Tem uma urgência que não existe no cinema. A gente tem que compor e produzir uma quantidade gigante de música, para todas as situações possíveis que possam acontecer. Até hoje foram 24 novelas, cinco miniséries e alguns programas de variedades.
Você pode explicar, por favor, o que é criação de música original para dramaturgia no Brasil? E qual é a diferença entre produzir música para teledramaturgia e para filme (documentário e ficção)?
A diferença entre cinema e novela é que cinema é uma obra fechada. A gente recebe o roteiro definido, recebe as cenas e pode ir trabalhando a música para cada cena, sem uma urgência extrema (geralmente). Amo cinema.
Você também é pintor. Encontramos nas suas composições e improvisações uma larga paleta de referências, tonalidades e cores. O que o inspira? E quais são suas maiores referências de compositores de música original para audiovisual e filme?
Sempre achei que música e artes plásticas têm tudo a ver. Quando pinto um quadro, penso em texturas, background, cores, harmonia. Fazer um arranjo é igual. A gente lida com texturas, layers, harmonia de cores e formas. Meus ídolos e referências na música dramatúrgica são muitos, na verdade. No mood de playful music, comédias, sempre me inspirei no Henry Mancini. Gênio. Enquanto Ennio Morricone e John Williams são dois grandes melodistas. Esses caras são os compositores da música erudita contemporânea. Tem uma turma da linguagem mais minimalista-sofisticada, que amo também, como, por exemplo, a de Yann Tiersen, que fez a música original de Amélie Poulain.
Hoje os direitos dos compositores têm sido desafiados, como a pressão pelo buyout e o uso indevido em paródias. No entanto, nunca se criou tanta música. Como você vê esse contexto e esse paradoxo?
Buyout, pelo que ando vendo, parece ser uma tendência, não estou bem certo, mas fiz a música original de um filme para Netflix, e foi assim. Era pegar ou largar. Peguei, mas não é o ideal. Acho que música é o grande patrimônio de um compositor. Mas, enfim, estamos vivendo um momento de tantas mudanças, a gente vai tentando suingar conforme o groove (risos).
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Foto: Divulgação
E hoje você está lançando um álbum inteiro, “Trem das Cores - Mú Carvalho interpreta Caetano Veloso”, em homenagem ao compositor que marcou a sua carreira. Como veio a decisão de produzir esse disco, a escolha das músicas e das parcerias que encontramos no álbum?
Sempre fui fã do Caetano. Amo seus caminhos melódicos, claro que a poesia também, é gigante, mas Caetano é o grande exemplo de que a pessoa nasce compositora. Na pandemia eu andei me divertindo em casa, gravando no piano algumas músicas do Caetano. Quando vi, tinha nos dedos um disco. Foi um processo muito natural. Fiz a pré-produção toda em casa, no meu home studio, depois fui para o Boogie Woogie, estúdio profissional que tenho com Ana, minha mulher, e convidei alguns músicos queridos para esse trabalho. Júlio Raposo, Pedro Mamede, Lancaster Lopes, Dadi ‘Leãozinho’, Jaques Morelenbaum, Sidinho Moreira, Marlon Sette, Diogo Gomes e Jorge Continentino.
Que dicas você pode deixar para os novos compositores?
Eu diria que ouçam ou grandes. É o que eu sempre fiz.
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