Em entrevista à UBC, o célebre compositor cristão relembra seu início e analisa o mercado
Do Rio
Um dia como este, há coisa de 30 anos, Sergio Lopes tomou uma decisão que mudaria para sempre a sua vida. Então fuzileiro naval, o paraibano há décadas radicado no Rio de Janeiro, e que já vinha se aproximando da arte — primeiro através do teatro —, entendeu que a música, companheira e hobby desde criança, era um caminho sem volta. Com apoio da família, como descreve, deixou a carreira militar e abraçou de vez o gospel, gênero que já vinha tocando na igreja havia vários anos.
Desde então, Lopes escreveu e gravou mais de 300 músicas, lançou mais de duas dezenas de álbuns, mais da metade deles convertida em discos de ouro, e deixou seu nome escrito na história da música cristã. Descrito como "poeta do gospel", fez fama e angariou milhões de fãs através de suas letras que não só falam de temas religiosos, mas também aportam consolo e acolhimento para quem está em dificuldade. Em plataformas como Spotify (onde tem mais de 100 mil ouvintes mensais) e YouTube (onde acumula covers e milhões de audições e visualizações das suas publicações), Lopes sedimenta seu sucesso.
"As músicas hoje que estouram nas plataformas e nas rádios são essencialmente de autoajuda, de incentivo ao sucesso, de otimismo no estilo 'você vai vencer', 'Deus vai te levantar', 'Deus vai te curar'. Isso certamente faz crescer a multidão", analisa o artista nesta entrevista à UBC.
Como foi o seu começo na música? Em que momento teve um clique e entendeu que este seria o seu caminho?
Foi na década de 90, quando ainda existia o vinil como o sonho máximo do artista de música. O direito autoral era cogitado de forma muito tímida, porque naquela época tudo que envolvia dinheiro tinha muitos tabus no meio religioso. Nessa época, você precisava seguir um caminho que se iniciava na igreja local. Você recebia do seu pastor a oportunidade de cantar nos grandes cultos e cruzadas evangelistas. Mesmo numa época em que a música gospel ainda era muito marginal, era um privilégio ganhar esses destaques. O começo num tempo assim exigia que o trabalho tivesse uma aceitação quase consensual nas diversas denominações evangélicas. Eu só fui entender que era um caminho definitivo para mim vários anos depois de começar a cantar, quando, sendo cristão batista, ganhei o troféu de primeiro lugar num concurso nacional de música sacra organizado pela igreja católica, no Teatro Villa Lobos, em Copacabana, em 1985.
Também escreveu ou escreve canções seculares?
Me dediquei ao gospel quase totalmente. Houve um tempo, por volta de 1984, em que eu estava afastado da igreja e fui vocalista e baixista de uma bandinha de rock com alguns amigos de Vila Valqueire (Zona Oeste do Rio). Essa banda se chamava Taxi Driver. Tocávamos rock de um compositor da banda, numa época em que a Rádio Transamérica dava espaço para bandas que tocavam num circuito de pubs. Eu já me sentia um peixe fora d'água, minha vocação natural era fazer música cristã mesmo. Mas sim, já escrevi algumas poucas, mas boas composições seculares. Me apresentei inclusive em festivais estudantis de música em minha adolescência. Tenho duas ou três letras muito interessantes com musicalidade de bom nível que eu destacaria. Essas músicas seriam facilmente absorvidas pelo mercado hoje, se algum produtor musical as conhecesse. Estão guardadas, e talvez um dia alguém as grave. Vou editá-las e deixar disponíveis para um momento oportuno.
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É muito comum falarmos com artistas que, dadas as condições tão instáveis do mercado musical, frequentemente são desencorajados pela família. Como foi com você?
Quando constituí família, a música já era minha principal atividade. Era o que botava o pão na minha mesa. Então, a família sempre me deu apoio e suporte emocional, mesmo quando eu pedi baixa da Marinha para viver de música, num contexto muito perigoso economicamente para se abandonar uma carreira militar já estabilizada. Música no Brasil ainda é uma atividade de remuneração instável, suscetível a espasmos do sistema financeiro-cultural. Quando eu pedi baixa, já tinha 15 anos de fuzileiro naval. Foi uma decisão de alto risco, tomada com base em pura fé. Deu tudo certo.
Lembra-se do que sentiu quando teve a primeira canção gravada?
Sim! Fiquei vários dias ao pé do rádio esperando minha música tocar. Foi incrível a sensação quando a ouvi. Me encheu de otimismo ver as pessoas pedindo minha música. Indescritível a sensação, e o filme “2 Filhos de Francisco” mostra um pouco de como é (a emoção). Mas não precisei daquela situação das centenas de fichas gastas no orelhão, não. Foi mais tranquilo! (risos)
Além de você mesmo, que outros intérpretes do gospel já gravaram canções suas?
Tem muito cover no YouTube, mas oficialmente me recordo agora de Grupo Altos Louvores, Fernanda Brum, Eyshila, Gb Lopes, Cristina Mel e Val Martins.
Tem ideia de quantas músicas já escreveu ao todo? A grande maioria são composições solo, mas você também tem alguma parceria?
Já escrevi e gravei por volta de 300 músicas. Um dia ainda vou pesquisar o número exato (risos). As que gravei são mesmo todas composições solo, com exceção de três que compus em parceria com Pedro Braconnot, Val Martins e Serginho, do Roupa Nova. Uma música com cada um deles. Não tenho parcerias porque as gravadoras que me contratavam sempre me pediam para que eu gravasse somente músicas minhas, para evitar ter que fazer contratos com editoras ou gravadoras de terceiros. Mas hoje sou independente e estou sempre aberto às boas surpresas da vida.
O que o inspira a criar uma nova música?
Quase sempre me inspiro a compor com a poesia e a observação da vida que surge do ócio. O meu é sempre muito criativo. Ultimamente tenho composto pouco porque, ao contrário do que deveria ocorrer, quanto mais velho fico, mais trabalho aparece! (risos) Durante a pandemia, aproveitei bastante o ócio e consegui produzir um single por mês até julho de 2020. Depois a agenda complicou, e agora me falta o tempo do ócio criativo para compor. Tenho três músicas já prontas desde agosto do ano passado, mas estou sem tempo para fazer as letras, que considero, no meu caso, o mais importante.
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Como vê o panorama do gospel hoje em dia? O número de cristãos cresce no país constantemente. É de se esperar que o mercado acompanhe esse movimento.
O panorama da música gospel é de imparável crescimento. Você se lembra daquela época em que os livros de romance começaram a perder lugar nas livrarias para os livros de autoajuda? Com a música está ocorrendo o mesmo. As músicas hoje que estouram nas plataformas e nas rádios são essencialmente de autoajuda, de incentivo ao sucesso, de otimismo no estilo “você vai vencer”, “Deus vai te levantar”, “Deus vai te curar” etc. Isso certamente faz crescer a multidão de novos crentes em busca de autoajuda gratuita, porque é mais barato e mais confortável ir a uma igreja com água de graça, banheiro, apresentações musicais, com teatro e coreografia, tudo isso de graça, do que ir a uma livraria ter que pagar por um livro de Augusto Cury e outros escritores de autoajuda de sucesso. Muitos pastores, com suas mensagens redirecionadas para a autoajuda, estão fazendo o meio gospel bombar.
E como estão os shows, com esse cenário incerto devido à pandemia?
Meu contato com o público está muito acima do normal. Como eu disse antes, quanto mais envelheço, misteriosamente mais carregada fica minha agenda. O consumo de minhas músicas nas plataformas digitais disparou durante a pandemia. O povo ficou em casa, ouviu minhas músicas com mensagens intimistas e humanizadas, viu minhas lives no YouTube, e isso se refletiu no consumo de minha música nas plataformas. Hoje, minha principal fonte de renda vem das plataformas digitais. Mas as apresentações presenciais também estão sendo praticamente diárias, é só dar uma olhada agora mesmo no meu Instagram e conferir o frenesi! (risos) Esse contato com o público sempre foi uma rotina agradável para mim, e o povo retribui, me chamando para estar junto. Vou seguir nessa direção “casada” enquanto o povo me chamar: digital e presencial.
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