Trace inaugura centro de estudos e promove música e outras artes produzidas na periferia
Por Ricardo Silva, de São Paulo
Menos de três anos depois de chegar ao Brasil, a Trace dá novos passos para se tornar uma plataforma múltipla de celebração da arte urbana, notadamente a produzida na periferia, especialmente aquela feita por e para a população afro-descendente. Surgida na França, a iniciativa replicada no nosso país e liderada aqui pelo empresário José Papa Neto, o Zizo, já conta com canal de TV nacional (Trace Brazuca, na grade da Claro e da Vivo), programa no Multishow e na Globoplay (Trace Trands), produtora (Trace Estúdios, que produz conteúdos para marcas e para sua própria programação) e, agora, a Trace Academia, uma plataforma de ensino à distância.
"Branco e privilegiado", como já se definiu em entrevista à UBC, Zizo se envolveu com a Trace ao conhecer o francês-martinicano Olivier Laouchez, em 2018. Desde 2003 à frente do projeto original da Trace, na França, Laouchez, que é negro, teve como ímpeto inicial buscar algo que hoje em dia virou pauta comum a grande parte das corporações: equidade racial, de gênero e de identidade sexual nas narrativas do mercado, da comunicação. Oriundo do meio do marketing, Zizo, que esteve anos à frente da empresa de tendências globais WGSN e do Festival de Cannes de publicidade, se conectou instantaneamente com a ideia.
"Fui a Paris almoçar com o Olivier. Ele relatou que o sonho grande da Trace era lançar no Brasil. Porque o Brasil é o principal representante da diáspora negra no mundo. É o maior país negro fora da África, o segundo maior em termos absolutos, depois da Nigéria. Tinha sentido para mim, como oportunidade e problema que íamos tratar. Mundo e Brasil. Foi no começo de 2019", lembrou o CEO da Trace Brasil.
"Eu já sabia que era um caminho sem volta: a ideia da equidade, do empoderamento, da transformação do tecido social. Vi muitos desses movimentos nascerem. Quando cheguei ao Brasil, já com projeto e mandato de lançar a Trace, eu estava muito sozinho. Condição de branco e privilegiado, totalmente desconectado da pauta. Eu precisava entender e criar uma narrativa de como isso se conecta à realidade brasileira. Por que a cultura urbana é tão importante? E por que a cultura afrourbana é tão importante?"
O raciocínio foi o seguinte: nas periferias há os maiores desafios sociais, mas também a maior potência criativa de um país onde 55% da população se identificam como afro-descendentes. A plataforma da Trace busca empoderar as manifestações musicais, artísticas em geral, de uma enorme parcela da população que não quer se ver associada unicamente a violência, falta de recursos ou perspectivas.
A iniciativa pioneira foi o programa Trace Trends, primeiramente na RedeTV!. "Marcas de peso começaram a apoiar de largada. Não tinha audiência, mas tinha conceito. Bradesco e Vivo apoiaram, surpreendendo a própria RedeTV!. Em seguida, a gente formalizou os acordos para a distribuição de um canal, com Claro e Vivo, as duas principais operadoras do país. Foi lançado em julho de 2020. Mas já o lançamos dentro de um contexto exponencial de relevância. O projeto tomou corpo com a Covid e os movimentos de conscientização racial depois do assassinato do George Floyd."
Desde sempre, Zizo quis se cercar de pessoas afro-descendentes que trouxessem ideias frescas, representatividade e inteligência para pensar as estratégias de crescimento da empresa. Seu diretor de marketing, Ad Júnior, é também um influenciador digital com quase 300 mil seguidores nas redes sociais. Junto dele e de outros braços-direitos, como Felipe Guerra, diretor comercial e de projetos, Zizo está se preparando para inaugurar a Trace Academia, que usa a linguagem e a estética da Trace pedagogicamente para criar cursos de formação técnica on-line voltados para pessoas de 15 a 30 anos.
"É uma faixa etária muitas vezes em condições de subemprego ou crime. Nossos cursos são gratuitos e desenvolvidos em nível global, com marcas globais. Adaptamos pedagogia e linguagem para a realidade brasileira. São cursos de marketing digital (com Google), eletricista (com Leroy Merlin), wellbeing skills/lifestyle (com Durex). E outros parceiros estão no radar." As matrículas para os cursos começarão em breve.
Como já contou Zizo à UBC numa reportagem publicada em junho passado, a música é de vital importância para o universo da Trace. "A música é a raiz, o DNA, da Trace. No nosso canal, 90% da grade são dedicados a ela. Nas inserções para a Globoplay e o Multishow também há uma grande presença de talentos musicais. O Brasil é uma máquina de criação. A gente pode e quer contribuir muito para identificar qualidade, promovê-la, produzi-la e curá-la.”
Através dos acordos dos canais e plataformas com o Ecad, já há pagamento de execução pública pelas músicas tocadas na programação tanto do programa como do canal. Mas a ideia é fomentar a criação do artista independente e sem espaço também de outras formas, sobretudo dando-lhe visibilidade. Nos programas, nas produções da Trace, está sempre o olhar sobre o novo, sobre o que de mais criativo e potente existe nas ruas das cidades brasileiras.
"A gente já tem, por exemplo, um programa na Trace Brazuca, o Newcomers, que é repositório de novos talentos. Sempre entrevistamos pessoas que estão surgindo no mercado musical. No próprio Trace Trends espaço constante para o novo, as pessoas mandam o que está produzindo. Tem pegada de visibilizarão, ampliação de outras vozes. O canal é todo voltado para a valorização da cultura de fato", definiu à UBC Ad Júnior.
Zizo corroborou:
"Queremos promover a diversidade por meio da raiz afrourbana. Mas queremos promover a diversidade universal. É uma pauta muito conectada com LGBTQ+, com mulheres, com gente que batalha por espaço em pé de igualdade. Tudo sempre ligado à raiz original africana. A ideia e o conceito da nossa atuação é ter linguagem ampla, diversa, universal, partindo da base da cultura negra para o mundo."
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