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No Brasil e nos EUA, soluções opostas para conflitos de copyright
Publicado em 19/01/2022

Tribunal de pequenas causas de direitos autorais é novidade no Judiciário americano, enquanto governo brasileiro aposta por órgão de mediação dentro do próprio Executivo

Por Alessandro Soler, de Madri

O mundo dos direitos autorais foi impactado nos últimos dias por duas notícias que mostram uma profunda diferença de abordagem para os conflitos relacionados ao copyright no Brasil e nos Estados Unidos.

No país norte-americano, o Congresso aprovou uma lei que institui um tribunal de pequenas causas exclusivamente para ações relacionadas aos direitos autorais — o que mostra a importância que os legisladores de lá dão ao tema, num momento em que produtos culturais têm sua criação e distribuição multiplicadas pelas plataformas digitais. Já o governo brasileiro decidiu criar uma espécie de "tribunal" dentro do contexto do Ministério do Turismo (ao qual está submetida a Secretaria de Cultura) para mediar, no próprio Executivo, e não no Judiciário, os conflitos que opuserem usuários de músicas e filmes e sociedades de gestão coletiva.

Segundo os parlamentares dos Estados Unidos que elaboraram o projeto de lei que criou o chamado Copyright Claims Board (CCB, ou conselho de reclamações de direitos autorais, em tradução livre), as ações que opõem titulares de direitos e pessoas que infringem as licenças são custosas e, na grande maioria das vezes, envolvem valores não muito altos. Por isso, foi estabelecido o teto de US$ 30 mil para as causas que o novo tribunal julgará. As operações do órgão devem ter início ainda neste semestre, e as causas envolverão não só o tema das licenças mas também, por exemplo, pessoas acusadas de utilizar material pirata ou streamers que têm seus conteúdos derrubados por plataformas online com base na lei de copyright digital do milênio

Para recorrer ao CCB, os litigantes terão de representar a si mesmos, e algumas regras do complexo sistema judiciário americano serão simplificadas. Sempre que não se alcance uma solução no âmbito do tribunal, o restante do sistema poderá ser acionado. Mas os parlamentares calculam que a imensa maioria das causas será resolvida ali mesmo, tirando do Judiciário grande parte do crescente número de ações referentes a infrações de conteúdos protegidos que o têm sobrecarregado.

"Pelo excesso de demandas, muitas vezes as partes litigantes em um conflito até se inibem e não buscam a Justiça. As pequenas causam entregam celeridade e funcionalidade. É excelente que o acesso seja mais amplo, e não restrito a quem tem poder aquisitivo ou às grandes causas. Dentro do crescimento que a gente vê no mercado do entretenimento digital, é muito apropriada a criação de um tribunal de pequenas causas. Tomara que os sistemas judiciários de outros países, inclusive do Brasil, adotem algo similar", elogia Sydney Sanches, advogado especialista em direitos autorais e assessor jurídico da UBC. 

Muito mais controversa é a iniciativa do Ministério do Turismo brasileiro de criar um órgão de mediação para conflitos de direitos autorais fora do Judiciário. Segundo o texto difundido semana passada pela pasta, ao anunciar a novidade, "podem ser objeto de mediação a falta de pagamento, critérios de cobrança e formas de oferecimento de repertório, quando os envolvidos forem usuários e titulares dos direitos ou seus mandatários, e valores e critérios de distribuição, quando estiverem envolvidos titulares e suas associações." 

O que acende a luz de alerta é o fato de a mediação ser feita pelo governo, que também é responsável por analisar o desempenho das associações de gestão coletiva periodicamente antes de renovar ou não as licenças para sua atuação. A nova atribuição poderia contaminar a avaliação das sociedades, essa sim já consagrada e prevista na lei de direitos autorais. Está servido o cardápio de um provável conflito de competências, como descreve Sanches:

"A impressão que fica é que essa iniciativa vem muito mais pra esvaziar a autoridade das entidades em abordar as demandas e conflitos do dia a dia do que uma alternativa que venha a desafogar. O Executivo não é o âmbito de competência para provocar solução de conflitos. Falta expertise para isso. A ideia por trás poderia até ser boa, mas o processo de mediação precisa de uma lógica e um ambiente judiciários e de gente que entenda do assunto. Então, há um pecado original. E o outro problema é o fato de você abrir a possibilidade de o Executivo estar sujeito a qualquer tipo de reclamação que venha a motivar uma ingerência no sistema de gestão coletiva, que é tão complexo e envolve tantas pessoas que verdadeiramente têm conhecimento da matéria."

Procurado pela UBC, o Ministério do Turismo ainda não respondeu ao pedido de mais informações sobre o órgão de mediação. Quando e se o fizer, publicaremos a posição oficial. No comunicado que divulgou semana passada, Felipe Carmona, secretário nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, vinculado ao Turismo, alegou a mesma sobrecarga do Judiciário que levou o Congresso americano a apelar à correta solução da criação do tribunal de pequenas causas de direitos autorais nos EUA:

“Nosso objetivo é sempre colocar o diálogo em primeiro plano, facilitando o acordo entre as partes. Assim, conseguimos dar maior celeridade ao processo, resolvendo controvérsias e evitando a judicialização das demandas sobre direitos autorais, o que acaba contribuindo para desafogar o Poder Judiciário brasileiro, bastante sobrecarregado.”

Ainda não se conhecem os prazos, as etapas e as estruturas pensadas para o estabelecimento do órgão. Nem como será o processo de seleção dos mediadores. 

Fique ligado nos canais informativos da UBC para conhecer mais detalhes sobre o tema assim que estiverem disponíveis.

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