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Parcerias entre selos brasileiros e internacionais vivem explosão
Publicado em 04/01/2022

Interesse de gravadoras independentes da Europa, dos EUA e o Japão pela música independente do Brasil traz oportunidades

Por Eduardo Lemos, de São Paulo

Lucas Santtana: parceria com selos internacionais lhe abriu portas no mercado Europeu. Foto: divulgação

Ainda que a democratização das ferramentas criativas tenha ajudado milhões de artistas ao redor do mundo a concretizar o sonho de gravar um disco, fazer as pessoas de fato escutarem estes trabalhos tornou-se o grande desafio da atual geração. Segundo o Spotify, todo dia, mais de 60 mil novas músicas são disponibilizadas na plataforma - ou uma faixa a cada 1.4 segundos. Se a concorrência está crescendo, é preciso reforçar o time que joga a favor do artista.

Aí entraram em cena os selos e gravadoras independentes, que na última década proliferaram no Brasil, investindo dinheiro e força de trabalho na gravação e promoção de álbuns, produzindo merchandising para os fãs, alimentando as lojas de discos com LPs, CDs ou mesmo fitas cassetes e criando estratégias para o streaming, de forma que os seus álbuns não virem apenas uma gotinha no oceano de lançamentos.

Este trabalho, claro, encontra seus limites, e um deles é a internacionalização dos produtos. O mercado de cada país tem sua própria dinâmica, e desvendá-la levaria muito tempo e dinheiro; contratar pontualmente um parceiro, além de caro, pode ser ineficaz, já que conquistar audiências internacionais costuma ser um trabalho de longo prazo; e ainda há os obstáculos práticos — uma distribuidora brasileira não consegue participar do pitching de uma playlist criada pelo Spotify do Japão, por exemplo.

Para isso estão os selos internacionais, que, em parceria com as gravadoras brasileiras, estão assumindo o trabalho de divulgação em seus próprios territórios. Este tipo de parceria não é nova nem incomum, mas ganhou força extra nos últimos 2 anos, segundo Gui Jesus Toledo, produtor musical associado à UBC e criador do Selo Risco (SP), casa de nomes como O Terno e Ana Frango Elétrico.

"É algo que se intensificou bastante na pandemia, porque os selos brasileiros entenderam que ter um parceiro local na Europa, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país é um diferencial na hora de fazer um pitching de playlist, por exemplo. Fora o fato de o artista ter alguém como sua base naquele local, uma empresa que está divulgando o seu trabalho e fazendo contatos", diz.

O produtor Gui Jesus Toledo

Em dezembro, o EP do cantor e compositor paulistano Chico Bernardes, associado da UBC, e do músico estadunidense Chris Bear, do grupo Grizzly Bear, saiu pelo selo Risco em parceria com o espanhol Mapache Record — o primeiro ficou responsável pela promoção do álbum no Brasil e na América Latina; o segundo, pelo trabalho de divulgação nos Estados Unidos e na Europa. Esta divisão de territórios, em que cada empresa atua na região onde tem mais força e fica com a maior parte dos ganhos que cabem aos selos, é o ponto central das parcerias. 

"Em um primeiro momento, o selo ou o artista pode sentir que está ‘perdendo’ (ao incluir outro player na jogada e dividir as receitas), mas no fundo ele está ganhando. A performance que a música terá naquele local é muito maior do que seria sem o parceiro. O bolo está aumentando", observa Gui.

Capa do disco de Chico, parceria dos selos Risco (Brasil) e Mapache (Espanha)

Poder acessar playlists internacionais também é um enorme atrativo. O produtor cita o caso de outro cantor e compositor que está construindo bastante público fora do país. "Fizemos uma parceria com o Boiled Records, do Canadá, para o disco ‘Grandeza’, que o Sessa lançou em 2019. É superdifícil a gente entrar em playlists americanas, por exemplo, mas neste caso deu certo, justamente porque tinha um outro selo ali, do outro lado da linha, trabalhando por este lançamento". O impacto dessas colaborações também se reflete em mais apresentações no país do selo “anfitrião”.

Foi assim com a cantora e compositora mineira Jennifer Souza. Em 2017, esta associada da UBC fez uma turnê no Japão graças ao selo local Coreport, que havia lançado por lá o seu disco de estreia, "Impossível Breve". Chamou a atenção o cuidado com que os japoneses trabalham as edições físicas, especialmente em CD, cujo mercado ainda é muito forte no Japão.

"Há uma seriedade com o produto em si, é sempre uma coisa muito bem feita, caprichosa, que traz um valor e que repercute aqui no Brasil de forma muito positiva. Pra minha carreira, é um ponto que me destaca de vários outros artistas, ainda que eu tenha um alcance menor. Não sou uma artista muito conhecida. Apesar de estar na música há muito tempo, a evolução é lenta. Por isso, ter um disco lançado no Japão de forma exclusiva acaba chamando a atenção das pessoas", conta Jennifer.

O seu recém-lançado segundo álbum, "Pacífica Pedra Branca", ganhou edição exclusiva em CD produzida pela companhia japonesa Disk Union, cujo selo Think! Records já lançou mais de 70 discos de artistas brasileiros em edições criadas unicamente para o mercado local. "Primeiro, nós escolhemos aqueles discos que amamos e que gostaríamos de ter uma cópia física em casa. Depois, pensamos se eles se encaixam no nosso mercado", conta à UBC Yusuke Erikawa, diretor da Think! Records para o mercado latino.

A cantora e compositora Jennifer Souza. Foto: divulgação

Segundo ele, existe no país um especial interesse pela música feita fora do Japão:

"O público jovem gosta de escutar os artistas locais nas plataformas digitais, mas, quando se trata de artistas de fora, permanece um forte interesse pela mídia física".

Ainda que a prensagem de discos seja um dos grandes serviços que o selo presta ao seu casting, ele também oferece assessoria de imprensa. Quando esteve no país asiático em 2017, Jennifer ficou impressionada com a divulgação realizada pelo selo. "Havia toda uma agenda de entrevistas para rádios, e o disco estava nas principais revistas especializadas", relembra.

Graças a uma parceria dos japoneses com o selo francês 180g, o álbum sairá em vinil nos Estados Unidos, Europa e Japão. Jennifer, aliás, realizou um verdadeiro trabalho de relações internacionais neste disco: além da Think! Records e da 180g, há ainda a brasileira Balaclava, que cuida da América do Sul e de Portugal.

"Acho que não existem desvantagens nestas parcerias. Traz um feedback internacional que é muito positivo para a carreira, inclusive repercutindo dentro do Brasil. Percebo como as pessoas aqui acabam dando mais respaldo ao trabalho”, analisa a artista.

Para 2022, ela quer aproveitar estas parcerias para excursionar novamente pelo Japão e pela Europa.

Voltar aos países sempre que possível é importante para fortalecer os laços com a cena local e evoluir no trabalho de formação de público. É o que tem feito há pelo menos uma década o cantor e compositor baiano Lucas Santtana. Em 2010, ele teve seu primeiro contrato com um selo internacional, o britânico Mais Um Discos. Lançou por lá os álbuns "Sem Nostalgia" e "O Deus Que Devasta Mas Também Cura". Em 2014, assinou com a francesa No Format Records, que lançou todos os seus álbuns desde então.

"Em 2022, eu vou lançar meu quarto disco com a No Format. Eles superinvestem no meu trabalho, é muito mais que uma gravadora, eles são fãs mesmo", elogia. Quem olhar a agenda de shows de Lucas nos últimos anos pode concluir que o músico se mudou para a França, tamanha a quantidade de apresentações que ele faz no país. Uma das explicações é o trabalho do selo.

"De 2 anos pra cá, eles começaram a fazer parte da turnê. Eu tenho uma agente que vende meu show na Europa, e eles são sócios da turnê, fazem pré-produção, produção, administração e ficam com uma porcentagem". Em seu próximo disco, que sai este ano, Lucas terá dois selos europeus atuando no lançamento: além da No Format, a Mais Um Discos será responsável por trabalhar o álbum no Reino Unido.

Show de Lucas Santtana na cidade de Vienne, na França

Experiente na condução de uma carreira internacional — e que, ao mesmo tempo, segue ativa no Brasil —, Lucas é credenciado para dar algumas dicas aos artistas que queiram se arriscar em terras estrangeiras.

"Na Europa e nos EUA, você tem que ter 3 coisas: uma gravadora, um booker e um empresário. No Brasil, na maior parte das vezes é uma pessoa só que faz tudo. Lá fora, as atuações são separadas. Cada um destes 3 vai fazer a sua parte, e eles vão trabalhar juntos o tempo inteiro. Sem um destes pilares, dificulta o trabalho.”

Segundo ele, "um booker, por exemplo, jamais vai pegar um artista se este não tiver uma gravadora que ele sabe que vai investir no trabalho; o contrário também. Então, é superimportante ter uma gravadora lá fora, fez toda a diferença na minha carreira. Tanto é que, seja na época que eu trabalhava com a Mais Um Discos, seja com a No Format, sempre foram as gravadoras que me trouxeram o booker pra vender os shows. Pra você ver como é importante essa parceria. É fundamental.”

O compositor crê que um bom ponto de partida é procurar os selos que tenham afinidade com o seu trabalho.

"Veja que tipo de som você faz, qual o seu nicho, e faça uma pesquisa das gravadoras que trabalham com este tipo de gênero musical. Eu fiz isso durante uns 2 ou 3 anos, e não deu em nada. Até que um dia, em 2010, eu estava fazendo um show numa feira da música em Belo Horizonte e, quando acabou, me disseram que tinha um inglês querendo falar comigo. Era o Lewis Robinson, dizendo que ia abrir uma gravadora no ano seguinte, que se chamaria Mais Um Discos, e que gostaria que o ‘Sem Nostalgia’ fosse o primeiro lançamento deste selo. Então, eu dou este conselho mesmo sabendo que às vezes podem acontecer de um outro jeito, como foi comigo.”

A efervescência que vemos na atual cena de música popular do Brasil também encontramos no universo dos selos internacionais interessados em lançar nossos artistas mundo afora. "A música brasileira é tão rica em suas influências e misturas, que ela pode se conectar fortemente com diferentes públicos e gêneros ao redor do mundo, como funk, jazz, música latina, drum and bass, folk, afro, pop etc.”, observa o músico e produtor alemão Chris Franck, fundador dos grupos Smoke City, Zeep e Da Lata, e que já trabalhou com diversos nomes da MPB, como Marisa Monte, Bebel Gilberto, Marcelo Jeneci, Chico César, Luísa Maita e Kassin, dentre outros.

Em 2019, ele criou o selo Da Lata Music (DLM), que pretende lançar discos de artistas brasileiros contemporâneos, especialmente no Reino Unido, onde ele vive há anos. "A música brasileira se tornou uma parte muito importante da cena musical independente no mundo, influenciando diversos artistas no Reino Unido e na Europa. Criar o selo e divulgar a música contemporânea do Brasil foi minha forma de contribuir para que esta relação se desenvolvesse ainda mais", diz.

No dia a dia, o selo tem diferentes atuações, a depender do que cada artista precisa.

"Nós trabalhamos na parte artística, se for o caso, acompanhando e aconselhando o artista no processo criativo de um disco ou single. Com a parte musical pronta, a DLM faz o trabalho de pitching em playlists europeias em parceria com distribuidoras locais. Também investimos em assessoria de imprensa local, que vai divulgar para os DJs, rádios, blogs, sites e jornais", explica.

O produtor Chris Franck, da DLM. Foto: Camila Pastorelli

O primeiro artista brasileiro a assinar com a DLM foi o cantor e compositor mineiro Luiz Gabriel Lopes, associado da UBC. Pelo selo, ele lançou no ano passado o EP "Sóis" em parceria com o selo brasileiro Pequeno Imprevisto. Ciente de que o mercado inglês gosta de versões remixadas, Chris convidou DJs de Portugal, Argentina, Reino Unido e Brasil para reinterpretarem as faixas. O resultado virou um outro disco, "Sóis - Remixed", que saiu no verão europeu — e que não faria parte da discografia de Luiz Gabriel, não fosse a parceria com a DLM.

Para Chris, que em 2022 planeja lançar outros discos brasileiros, ter um selo que olhe para a música feita em outras partes do mundo, mais do que um negócio, é a defesa de uma ideia, a de que a música não existiria sem a mistura de culturas e pessoas.

"O termo world music está por aí há muitos anos e, normalmente, se refere à música que não é do Reino Unido, da Europa, dos Estados Unidos. Mas este termo sempre foi muito restritivo. Todas as músicas são world music. E nós estamos constantemente sendo inspirados e aprendendo com músicas e culturas de todas as partes.”

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