Impulsionado pela pandemia, registro visual sem narrativa concreta se soma aos clipes e outros recursos
Por Kamille Viola, do Rio
Eles já estão na área há alguns anos, sobretudo nos Estados Unidos, com destaque para o rap. Por aqui, embora tenham aparecido aqui e ali, foi com a pandemia que ganharam força total. Visualizers são vídeos ou animações (como é comum nos streamings de lo-fi, por exemplo) sem narrativa que acompanham uma música, muitas vezes em looping, mas não necessariamente. Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Emicida, Caetano Veloso, Marina Sena e Anavitória são apenas alguns dos muitos artistas que lançaram álbuns ou singles cujas faixas são acompanhados por vídeos nesse formato.
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O nome provavelmente vem das funções de “visualização de música” (music visualizers) em softwares de reprodução de arquivos de mp3. Quem se lembra dos gráficos coloridos do Windows Media Player, que se moviam de acordo com as frequências do áudio? “O visualizer é meio que um mood, ou seja, um artigo visual que quer promover um estado de espírito, deixar um statement condensado, sintético, que valide a música, em vez de uma elaboração visual, geralmente dentro de uma linha narrativa, que é a principal função do clipe”, define a jornalista e podcaster Leïlah Accioly, pesquisadora da história do videoclipe.
Diretor dos visualizers das dez faixas do elogiado álbum “De Primeira”, de Marina Sena, Vito Soares — que também fez os três clipes cantora — é entusiasta do formato. “O visualizer permite criar uma atmosfera de imagens de maneira despretensiosa, sem as amarras de um videoclipe. Imagino que o surgimento dele tenha sido por esse motivo: é um vídeo mais informal que acompanha a música, ocupando uma tela em branco e enriquecendo a construção de imagem dos artistas”, opina. “Levando em consideração a pandemia, a produção de videoclipes se tornou custosa — devido aos riscos de contágio e até de investimento. O visualizer, então, ocupa esse espaço, e ao meu ver crescerá muito ainda”, acredita ele.
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Leïlah defende que o que propiciou o surgimento do visualizer como alternativa ao clipe foi uma combinação de fatores. “Além da crise econômica, uma vez que o visualizer é muito mais simples e minimalista, portanto mais barato de fazer, tem a questão da repetição e da aceleração na veiculação das imagens entrecortadas por uma série de estímulos que temos nas redes sociais, o que faz com que se enxugue ao máximo o repertório de imagens até se chegar ao essencial, já que parece que fica mais fácil e conveniente comunicar desse jeito. E claro que a pandemia influenciou na escalabilidade desse formato digital por razões óbvias”, diz.
Ou seja: longe de ser apenas uma opção mais barata, o visualizer é, também, uma opção estética. “As plataformas digitais modificaram a maneira como a gente absorve e consome música. O visualizer agrega e contribui nesse aspecto, expandindo o consumo através desses novos produtos. No projeto da Marina Sena, foi incrível absorver as músicas e catalizar essas inspirações em imagens da própria artista, conduzindo um fio de emoções que o próprio disco pedia”, conta Vito Soares. “A vantagem do formato é poder inventar imagens descomprometidas. Testar possibilidades de conexão da imagem do artista com a música, sem necessariamente construir uma narrativa. Novas perspectivas em vídeo surgem através dessa liberdade, seja em 3D, stop motion, videoarte, e por aí vai”, enumera.
A jornalista e pesquisadora concorda. E acredita que o visualizer tem a possibilidade de ser mais poético que o clipe tradicional. “Chamando atenção, inclusive, para a letra — sublinhando que o visualizer derivou do lyric video —, um componente tão fundamental da música pop que sofreu uma redução de qualidade e importância, nos últimos anos. Além de resolver esteticamente, de forma muito direta, o conjunto de propostas de uma música ou de um artista ou banda numa época de saturação de informação”, frisa ela, que, no entanto, não crê no fim do videoclipe. “Acredito que nunca fomos tão multiplataforma quanto agora. Então, a ideia é que o visualizer se junte a ele”, aposta.
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Para Leïlah, os visualizers funcionam como video singles que contribuem para a divulgação de uma coisa inteira, passando ideias mais sólidas e diretas sobre o todo da obra. “Quem acabou de fazer isso com maestria foi Caetano Veloso, lançando visualizers para todas as faixas de seu álbum mais recente, ‘Meu Coco’, com a exceção de ‘Anjos Tronchos’, que ganhou algo mais próximo de um videoclipe. Vejo o conjunto desses visualizers (dirigidos por Fernando Young) como uma videoinstalação. Se apresentássemos todos eles em monitores de TV e celulares numa sala toda branca ou toda escura de uma galeria, teríamos todas as propostas de ‘Meu Coco’ visualmente colocadas com extrema acurácia e funcionalidade, sem que isso deixasse de ser poético — aliás, realizando uma aproximação do conceito de poesia visual. Talvez Caetano tenha revelado o caráter concretista do visualizer (risos)”, arrisca.
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