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Racismo, machismo, ódio em rede: como nasce um cancelamento
Publicado em 15/12/2021

O que a onda de ataques a Djonga e Marina Sena diz sobre nossa sociedade; especialistas comentam

Por Fabiane Pereira, do Rio

Esta semana, dois expoentes da nova cena musical, ambos mineiros, precisaram usar suas redes sociais para defender-se de ataques em rede e tentativas de cancelamento. Djonga, um dos rappers mais importantes do país, e Marina Sena, artista que ganhou os holofotes após lançar seu disco de estreia, “De Primeira”, são as mais novas vítimas do ódio movido por machismo e racismo.

A cantora e compositora usou sua conta no Twitter para rebater as críticas que vem recebendo desde que levou três estatuetas no Prêmio Multishow, na semana passada.

“Ser mulher na musica é foda. Você começa a crescer, e as pessoas já colocam o mérito das suas conquistas em algo que não é você. Que dia a gente vai poder ficar em paz em comemorar o que a gente fez com MUITO esforço? Que dia as pessoas vão aprender a ver uma mulher crescendo?”, indagou.

Na categoria “Revelação do Ano”, Marina concorria com João Gomes, artista que se tornou um ícone do piseiro em 2021. Os fãs do cantor creem que a vitória da mineira foi injusta e que o prêmio deveria ter ido para ele. Um direito legítimo deles. A onda de ataques que ela sofreu, no entanto, foi inaceitável. Poucas horas depois desse post, Marina teve sua conta no Instagram derrubada por uma avalanche de denúncias. Comentários de ódio com termos misóginos se disseminaram para atingi-la.

Dezenas de artistas saíram em defesa de Marina nas redes. O cantor Silva foi um dos primeiros:

“Amei Marina desde a primeira vez em que a escutei. Cheia de personalidade e identidade, de primeira mesmo, já com toda uma assinatura. Marina é uma artista enorme, compositora sobretudo, e vai nos trazer ainda muita música boa por muitos e muitos anos”.

A cantora, compositora e produtora musical Mahmundi não demorou em entrar na defesa de Marina.

“Já sabemos que ela é uma superestrela! incomodando, entregando música foda, as músicas vão durar pra sempre! Eu amo esse pique! Daqui a 10 anos, essa resenha estará no doc dela”, profetizou.

A cantora e compositora Alice Caymmi fez coro:

“Acho um absurdo o hate que artistas tem que sofrer hoje em dia por motivos idiotas. Já basta a falta de incentivo que ocorre de todos os lados. Força, Marina!”

No mesmo dia, a conta da artista foi restabelecida no Instagram. E ela desabafou. “Coincidentemente ou não, recebi nos últimos dias uma avalanche de hate por ter vencido três categorias no Prêmio Multishow. Mas antes disso eu já o vinha recebendo por um incômodo das pessoas com a minha voz. Um dia, lá em Taiobeiras (MG), eu sonhei em ser artista, mudar a minha vida e a da minha família. Fiz o meu melhor, estou há sete anos trabalhando. E agora finalmente eu consegui algum reconhecimento por tudo que já fiz. Hoje, posso dizer que a experiência tem se tornado insuportável, porque o que estão fazendo não é apenas dando suas opiniões, o que estão fazendo é bullying, e isso é muito sério. Muita gente me fala: seja forte, sucesso é assim! Mas eu não posso achar normal isso, nem ninguém deveria, isso mostra a decadência em que se encontra a sociedade e quantos artistas incríveis a gente deve perder pra maldade. triste por mim, mas muito mais triste por saber que é esse o mundo em que a gente vive, de pessoas tão ruins.”

Reação ao racismo

No caso de Djonga, o artista viu seu nome ir parar nos trending topics do Twitter após o fragmento de um vídeo gravado durante o último jogo do Atlético Mineiro circular nas redes. Nas imagens, o rapper mineiro dá um soco em um dos seguranças do Mineirão. De acordo com o registro da Polícia Militar, os funcionários disseram ter sido vítimas de agressões físicas, psicológicas e morais. Já a assessoria do artista alega que ele revidou os ataques verbais que vinha sofrendo desde o início do jogo:

"Ontem, Djonga compareceu ao Mineirão para acompanhar o jogo do Atlético Mineiro, algo que é recorrente em sua rotina de torcedor. O vídeo a que tivemos acesso é apenas um fragmento do ocorrido de ontem e não mostra os momentos que antecederam a reação de Djonga, que revidou ao ataque físico e verbal do segurança do estádio. O caso já está sendo cuidado pela equipe responsável.”

Após a divulgação dessa nota, o próprio Djonga usou seus Stories no Instagram para dizer que perdeu a cabeça após ser, novamente, vítima de racismo.

Não é a primeira vez — e evidentemente não será a última — que artistas negros e mulheres vêm a público se queixar de misoginia, machismo e racismo nos ataques que recebem pela rede. No início do ano, a cantora Karol Conka foi vítima de um cancelamento pesado após sua polêmica participação no BBB 21. O nível extremo do ódio que recebeu foi atribuído por mais de um especialista ao fato de ela ser mulher e negra. Em 2019, na última edição do festival Lollapalooza, o músico e empresário Evandro Fióti acusou um segurança da banda Kings of Leon de ofendê-lo com termos racistas.

Para a psicóloga Camila Almeida, especialista em Psicanálise e Saúde Mental, isso se explica porque o Brasil é um país com bases estruturais coloniais:

“É preciso reconhecer definitivamente que vivemos sob um sistema colonialista entranhado. Mesmo com os avanços recentes, a psicanálise não pensa o sujeito fora da cultura porque todos somos atravessados por ela. E nossa cultura é profundamente racista e machista”, explica.

Almeida acredita que ainda vai demorar muito tempo para que consigamos, enquanto sociedade, conviver com a ascensão das mulheres e das pessoas pretas no Brasil. “Essas discussões de raça e gênero entraram em pauta na psicanálise com mais atenção recentemente. Assim como em todas as outras áreas, também houve na psicanálise um apagamento dessas questões, e o amadurecimento delas leva tempo”, comenta.

Monique Dardene, cocriadora do Women’s Music Event (junto com a jornalista Claudia Assef) e do WME Awards (em parceria com Claudia e com a executiva Fátima Pissarra), concorda. Ela acredita que ainda há muito o que fazer para combater esses males da nossa sociedade:

“As redes sociais viraram um espaço sem rosto. Os piores desejos das pessoas podem ser destilados a partir do momento que temos um limbo de impunidade.”

Almeida analisa a questão de uma perspectiva histórica:

“A violência faz parte da nossa cultura desde que os portugueses invadiram terras indígenas. Um povo estrangeiro chegou aqui e aprisionou o povo nativo. Para que essa ação tivesse êxito, um povo precisou violentar o outro. Para eu existir, o outro precisa deixar de existir, e essa lógica do cancelamento sempre imperou no Brasil. As redes sociais tornaram-se um ambiente de projeção primitiva. Os haters não olham pra si, eles acham que vão resolver suas mazelas manifestando suas patologias e perversões no outro.”

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