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Luiz Caldas: ‘Estou no melhor momento da minha vida’
Publicado em 10/11/2021

Em longo papo com a UBC, cantor e compositor fala sobre ‘Playlist Brasileira 1’, álbum que nasceu nas suas redes sociais, e os novos (e muitos) projetos

Por Kamille Viola, do Rio

Durante a pandemia, sem poder fazer shows, Luiz Caldas resolveu postar vídeos nas suas redes sociais cantando músicas de outros compositores das quais gostava. Assim, despretensiosamente, nascia o álbum “Playlist Brasileira 1”, que ele acaba de lançar pela Deckdisc.

O trabalho é uma espécie de “respiro” em outro projeto do artista. Em 2010, ele decidiu lançar nada menos que um disco de músicas autorais inéditas por mês, passando por diversos estilos musicais, e disponibilizar de graça em seu site. Fez dez trabalhos e, em 2013, retomou a ideia, que segue até hoje. Eletrônica, rock, forró, reggae e metal foram alguns dos ritmos gravados por ele.

Até agora, são 116 discos. Caldas compõe, toca diversos instrumentos, faz os arranjos e produz os discos. Nas músicas, conta com parceiros como Seu Jorge, Lenine e Fernanda Takai, entre outros. Um deles, “Sambadeiras”, lançado em abril deste ano, está concorrendo ao Grammy Latino, na categoria (Melhor Álbum de Música de) Raízes da Língua Portuguesa.

Para o artista, o álbum novo é um retorno ao início (precoce) de sua carreira, já que, dos 7 aos 14 anos, ele cantou em bailes. No repertório, músicas dos anos 80. Entre elas, “Caçador de Mim” (de Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá), sucesso na voz de Milton Nascimento; “Deslizes” (Michael Sullivan e Paulo Massadas), conhecida pela gravação de Fagner, e “O Que É Que Há” (Fábio Júnior e Sérgio Sá), famosa com Fábio Jr.

Voltando aos shows presenciais este mês (o primeiro é dia 21, em Salvador), ele conversou com a UBC de dentro do estúdio, onde grava o próximo disco mensal, dedicado ao reggae. Caldas falou sobre seu processo criativo e seus projetos atuais, que, além da divulgação de “Playlist Brasileira 1”, incluem diferentes shows e uma ópera ao lado da Orquestra Sinfônica da Bahia.

 

Você está lançando o disco “Playlist Brasileira 1”, que surgiu de vídeos que você foi postando nas suas redes. Como escolheu o repertório?

Eu toco muito o que me dá vontade. Quando não estou trabalhando, gravando ou fazendo show, eu estou me divertindo, tocando piano, violão. Tudo gira em torno de música para mim. E eu venho do baile, cantei dos 7 aos 16 anos no baile. E eu cantava todo tipo de música. Então eu comecei a fazer isso até para poder movimentar as minhas redes sociais, porque eu, por exemplo, não gosto de falar de assuntos polêmicos nem que eu não domine. Prefiro falar do que eu gosto e do que eu sei. O Rafa (Rafael Ramos), da Deckdisc, ouviu algumas interpretações e entrou em contato comigo (e propôs o projeto), me deixou totalmente à vontade para escolher o que eu queria cantar. Pegar uma canção — vamos dizer, do Michael Sullivan e do Paulo Massadas, como “Deslizes” — e fazer a minha leitura é bem prazeroso. Não vou para o estúdio e fico procurando a perfeição, deixo (fluir) mais a emoção.

Deve ser difícil delimitar um repertório, já que você tem um gosto musical amplo.

Eu mandei um “truque”. Gravei muitas musicas e mandei para o Rafa: “Escolha o que você quiser, porque eu gosto de todas.” Deixei na mão deles. Porque também tem a coisa da autorização do compositor, vai que ele não quer ceder a canção, não sei por quê, mas às vezes podem acontecer coisas assim.

Você falou que agora a ideia é, talvez, lançar outras edições de discos de intérpretes. Já imagina o quê?

O cancioneiro brasileiro é muito rico e vasto em estilos. Eu posso muito bem gravar um disco dos anos 60, com canções mais para o lado do samba-canção, uma coisa meio Nelson Gonçalves, com composições daquele universo dele. Acho isso bem interessante também. Não que a gente tenha que ficar preso a canções dos anos 80, posso ficar muito à vontade para gravar. Mas antes eu quero explorar um pouco mais desse universo do repertório que tem nesse disco.

Os artistas normalmente dão um tempo entre um trabalho e outro. Por que lançar um disco por mês?

Existem modelos comerciais que são impostos pelo próprio movimento musical que está acontecendo. Aquele movimento que aconteceu quando eu criei o axé music rolou, graças a Deus, mas passou. Eu não quero aquela exposição toda nem quero ficar esquecido. Sou um artista brasileiro que produz. A música depende muito mais de transpiração do que inspiração. Já pensou se você fosse escrever um texto só quando tivesse inspiração? Não, (é) uma profissão normal. Eu estudei, conheço música, leio livros, então eu tenho bagagem suficiente para sentar: “Vou compor um samba, compor um jazz”. Isso eu sempre faço. Para mim, isso é muito prazeroso. E poxa, tem dado resultado, eu estou no Grammy, né?

Você começou a cantar muito cedo, criança ainda. O que cresceu ouvindo?

Tudo. Agora eu escuto muito pouco as músicas que tocam demais, porque a gente ouve em tudo quanto é lugar, aí acaba saturando um pouco. Isso se aplica a todas as canções, não é só ao que está tocando (hoje), não. De tudo que toca demais a gente tende a se cansar um pouco. Principalmente com a internet, que as pessoas às vezes tocam a mesma coisa à exaustão, repetem aquilo, é como se você estivesse moendo cana. Às vezes, até perde o gosto, mas está ali, passando na máquina. Eu não consigo fazer essas coisas, não. Tanto que não divulgo, por exemplo, uma música. Prefiro divulgar o artista, porque você, conhecendo o artista, vai atrás da obra dele.

E no caso dos artistas que você gravou em “Playlist Brasileira 1”?

Eu escolhi pela canção. Tenho uma amizade muito legal com todos eles, saudável, afinal de contas a minha carreira também, para o Brasil, começou nos anos 80, então a gente estava ali, no Chacrinha, todo mundo junto. A amizade ficou. Mesmo não se encontrando todos os dias, a gente pertence a um grupo, a um time. E isso é bem interessante. O critério veio justamente do lance do baile: eu cantar e sentir que a música ficou como se fosse minha.

Agora, depois desse álbum, qual seu projeto?

Para mim, o mais complicado no meu projeto é o tema que eu vou usar. Porque eu não faço um disco por fazer. Se é um disco de rock, eu quero falar o quê? Porque são dez canções. Elas têm que ter um elo entre si. Não podem ser um mosaico. Muitas vezes eu até faço um mosaico de ritmos, no caso. Porque todos os estilos têm as variações. O rock, por exemplo, tem rock-balada, rock punk. E isso tem também no samba: samba-canção, samba duro… Essa coisa é muito importante. Exemplo: se eu vou fazer um disco de samba, tenho modelos de artistas que defenderam o samba de forma maravilhosa. Tem o samba que Agepê fez, o que Zeca Pagodinho faz, que são geniais, mas totalmente diferentes. Tudo isso para mim é ingrediente, para que eu possa depurar, estudar e dali extrair algo novo, sem perder a essência. O meu site: eu considero ali uma musicoteca, onde você pode pesquisar o que você quiser. Lá, por exemplo, tem um disco todo na língua tupi. Não tem uma palavra em português, é uma homenagem aos indígenas. Tem um que é uma viagem para fora da Terra, é instrumental, mas conta tudo isso de uma forma sonora bem interessante. É bem legal essa coisa e me mantém vivo e radiante, porque eu adoro fazer música, adoro compor. Agora mesmo eu estou aqui, no estúdio, gravando um disco de reggae que eu vou lançar em dezembro. E isso não me impede de ir mostrando as canções do “Playlist Brasileira”.

Você vai seguir com o projeto de um disco por mês?

Para mim, a coisa mais importante da minha carreira eu acredito que seja esse projeto, porque ele conseguiu me deslocar daquele cara criador do axé music, conhecido só por isso. O axé music foi uma coisa de que eu fui o precursor, mas é uma coisa que já está aí, tem pernas, tem asas, voou para longe, graças a Deus. É como eu te disse: a minha preocupação é muito mais com o artista Luiz Caldas, porque ele é que é o detentor da obra.

E como é seu processo de composição?

Já passou por todas as fases, é engraçado (risos). Esse disco mesmo de reggae eu estou gravando ele todo e vou fazer as músicas depois. Ou seja, gravo um modelo de música. Quando eu digo um modelo, é porque há uma fórmula, e as pessoas a usam já tem muito tempo no mundo: uma introdução, parte A, um refrão, aí tem um solo, volta para a parte B, tem um solo final e acaba. Pode ter esse formato. Eu gravo várias músicas com uma cadeia harmônica já pronta e, em cima daquilo ali, eu posso cantar cem músicas diferentes. Quem fez isso de uma forma um pouco mais sutil foi Djavan, que gravou o disco e foi finalizar todas as poesias, as letras depois. É como você ir a um dentista e colocar uma prótese provisória e depois finalizar o serviço e sair de lá sorrindo, pronto.

Você vai fazer uma ópera com o maestro Carlos Prazeres, da Sinfônica da Bahia. Qual a previsão desse trabalho?

Eu já compus quase uma hora e dez minutos de música. E o meu grande maestro e amigo Carlos está me ajudando o máximo possível, porque é uma coisa que eu nunca fiz. Eu toco um pouco de violão clássico, adoro música, como eu já te disse... Música, para mim, é imaginação, e isso eu tenho demais. Então, graças a Deus, rolou. E é sobre a independência da Bahia essa ópera. Eu estou escrevendo a letra junto com Cesar Razek, que é um parceiro e jornalista daqui, e tem um professor de história também… Tem uma equipe para que isso possa acontecer. Mas não é algo que eu possa dizer uma data, nem determinar quando será.

Você compõe no violão?

Eu componho até sem instrumento, porque tenho na cabeça o que preciso fazer. Depois é só pegar o instrumento e tocar. Eu consegui fazer isso porque estudo muito, toco todos os dias. Eu não leio música nem escrevo, eu sinto a música. Mas, não adianta você ser bom na teoria e não tocar aquilo que está ali. Você tem que ter uma simbiose entre a prática e o estudo, a teoria, no caso. Por isso me facilita a vida. Eu posso estar no banho, comendo alguma coisa, posso começar a compor ali mesmo porque a harmonia já está toda na cabeça. Depois é só tocar, que está tudo certo.

E normalmente você compõe primeiro a melodia?

Não, eu posso muito bem primeiro escrever um texto e depois musicar. Ou pode nascer tudo junto, como, por exemplo, na música “É Tão Bom”, que Caetano canta comigo (do disco "Flor Cigana", lançado por Caldas em 1986). Eu fiz a música todinha, nasceu como se eu estivesse psicografando. Isso, sim, a gente pode chamar de inspiração. Porque vem, isso é natural, todo mundo tem isso no setor em que trabalha. Mas a gente não pode depender só disso. As pessoas acham que a arte depende demais disso. Não, a arte depende de muito treino. Uma coisa que não lembro qual foi a artista que disse, mas estavam fazendo uma matéria sobre superstição. Aí perguntaram: “Você tem alguma superstição para subir ao palco?” Ela olhou e disse: “Eu tenho, eu ensaio muito” (risos). Porque não adianta você fazer um sinal de cruz nem nada disso se você não treinar, não souber o que vai fazer. Porque aí Deus não vai ajudar mesmo.

E você volta aos palcos agora em novembro, não é?

Isso, dia 21, aqui no Trapiche Barnabé (em Salvador), que é um espaço muito legal, e tem a abertura do show de Pedro Baby e Davi Moraes, vai ser muito legal. Essa festa, Magia, eu já faço há alguns anos aqui. É o meu verão, vamos dizer assim. E muita gente bacana já passou por aqui comigo: Zélia Duncan, Lenine, Alceu, Zé Ramalho, é muita gente mesmo. E é muito legal poder contar com esses colegas para deixar o verão da Bahia mais feliz. Principalmente neste momento agora, em que está todo mundo sedento para poder sair, curtir, fazer uma coisa. Claro que temos que ter todo o cuidado, porque a pandemia ainda não acabou, não é só essa coisa de chegar e vamos lá. Não. Tem que estar todo mundo vacinado, com controle, que a situação precisa.

Você estava desde o início da pandemia sem se apresentar. Como está se sentindo com essa volta?

Eu fiz alguns lives em espaços controlados, que não é a mesma coisa, de forma nenhuma, mas pelo menos dá para você ter a sensação de tocar ao vivo com a banda. Isso é legal para caramba. Mas eu estou louco para poder encontrar o público. Porque a música que eu apresento aqui no verão, e pela qual eu fiquei conhecido, é uma música de multidão, de dança, de alegria. Eu não vejo a hora de ter as pessoas cantando comigo. Vai ser maravilhoso.

E as pessoas pedem muito seus sucessos do passado?

Não, em show não tem essa coisa, não, porque o meu show é bem dançante. E eu só toco músicas conhecidas. Quando não são músicas conhecidas, são músicas novas minhas. Mas que estão dentro do contexto. Eu não vou pegar um show onde as pessoas estão dançando e dizer: “Ó que bonitinho esse chorinho, esse clássico que eu fiz ontem.” Não. Cada qual no seu cada qual, como se diz.

Você estava falando que o projeto dos discos ajudou as pessoas a conhecerem um outro lado seu além do axé. Isso o deixa realizado?

O que me deixa mais feliz que os meus colegas me reconheçam como um cara que conhece música, que toca bem. São pessoas que vivem disso, e eu também. Porque eu não ligo muito quando uma pessoa que não entende de música diz que eu sou bom ou que eu sou ruim. Aí vai só do gosto dele. Eu não estou falando de gosto, eu estou falando de conhecimento. Estou no melhor momento da minha vida, pode ter certeza. Feliz, já estou com 58 anos, vivendo bem, tenho uma saúde legal, cuido muito bem dela, então tem muita coisa para acontecer ainda. Quando eu falo sobre reconhecimento, é porque eu não poderia fazer um projeto com mais de 1.100 músicas inéditas sozinho. De jeito nenhum. Esse projeto não é só meu. Eu estou à frente dele. Mas poxa, já escreveram comigo Seu Jorge, Sandra de Sá, Gilberto Gil, Lenine, Jorge Vercillo, Zé Renato, Fernanda Takai… É tanta gente! Se eu for parar para pensar e colocar a lista, é muita, muita gente mesmo que ajuda o projeto numa boa. E o mais interessante: é um projeto que é de graça, as pessoas podem baixar os discos todos de graça.

Já são 36 anos desde que você lançou “Fricote” (1985), considerada a música inaugural do axé. Foi o primeiro sucesso, abriu as portas…

Considerada, não. Foi a primeira, mesmo. Antes disso, o que tinha aqui era o trio elétrico de Dodô e Osmar com Moraes, que fazia frevo, outras coisas.

Como você se sente olhando para trás, sendo o Pai do Axé, a pessoa que abriu as portas para um monte de outras artistas fazerem sucesso?

Muita gente até pergunta: como é que você criou o axé music? Ninguém cria nada assim. O que você pode ser é precursor, abrir uma porta onde ninguém bateu nem entrou, aonde jamais foram. E foi assim que aconteceu. Eu estava no lugar certo, na hora certa e preparado musicalmente. Porque naquele momento, os anos 80, todos os artistas tinham seu estilo. Exemplo: o rock. Você olhava para Titãs e olhava para Paralamas, é totalmente diferente, e é rock. Então eu tinha também que ter um trabalho que fosse algo novo, senão eu seria mais uma cópia de Pepeu, de Armandinho. Mais um baiano fazendo música, copiando deles. E foi uma coisa nova, que o carnaval mudou a partir daquele momento.

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