O gênero musical que honra as raízes africanas marca presença e influencia artistas como Rita Benneditto e Pedro Selector
Por Akemy Morimoto, do Rio
Nascido nos anos 60, o afrobeat surgiu pelo talento do multi-instrumentista Fela Kuti. Após viajar aos Estados Unidos, o nigeriano levou as influências da música negra americana para o seu país de origem e, ao misturar diversos gêneros, criou uma batida inconfundível. O beat marcante, somado à poética social e política, serviu de inspiração para o outro lado do oceano Atlântico. No Brasil, o afrobeat é um componente essencial da música e influencia o som de diversos artistas, como Rita Benneditto e Pedro Selector, integrante do Seletores de Frequência.
O misto de high life, funk, jazz e percussões tradicionais africanas, acrescido de momentos de improvisação e vocais que surgem depois de longos minutos de música instrumental, são algumas das principais características do gênero.
Matriz generosa para inspirar artistas das mais diversas vertentes e épocas — de “Refavela”, de Gilberto Gil, à “Ginga”, de Iza —, o afrobeat ganha gradativamente mais popularidade na música brasileira. Desde o início de sua carreira em 1997, a cantora maranhense Rita Benneditto mostra apego à musicalidade manifestada nas tradições das crenças afro-brasileiras. Seu quarto CD, “Technomacumba”, lançado pela Manaxica Produções com distribuição da Biscoito Fino, reflete a religiosidade da cantora, adepta do candomblé, e tem faixas de umbanda, Tambor de Mina e quimbanda.
“O afrobeat é o grande senhor dos tambores. Mesmo com a invasão do colonizador e da escravidão, nós herdamos diretamente toda a riqueza do povo da mãe África. A África está presente em todos nós, porque constitui a formação do povo brasileiro”, conta Rita.
A canção “É D’Oxum” tem a proposta de mesclar pontos colhidos de terreiros de candomblé e batidas eletrônicas para proporcionar o “transe coletivo”, como ela descreve, e a aceitação por meio da arte.
“Entretenimento nos traz também a consciência de luta, de resistência e de despertar da consciência sobre o legado do povo africano”, afirma a cantora.
Com mais de 20 anos de carreira, o trompetista, produtor musical e cofundador dos Seletores de Frequência Pedro Selector conta que, apesar de não se limitar a um padrão, o grupo adquiriu grande influência do afrobeat. A inspiração surgiu com as turnês do BNegão e Os Seletores de Frequência na Europa, durante 2004 e 2005. No Festival de Roskilde, na Dinamarca, Pedro assistiu ao show de Femi Kuti, filho de Fela, e se encantou à primeira vista.
“Poder ter esse contato foi primordial. Não tem como ficar impassível. Eu lembro que fui escutando o CD do Fela Kuti, indo de uma cidade para outra, em turnê. Foi a primeira vez que ouvi ‘pra valer’”, conta o trompetista.
O momento foi um divisor de águas. A partir do festival, Pedro Selector começou a pesquisar e entender sobre a história e música de Fela Kuti. Os frutos dos processos de composição surgidos em 2004 ainda se refletem no trabalho dos Seletores de Frequência. “Astral”, mais recente álbum do grupo, conta com a canção “Leva Fé (Lá)”, música criada nas turnês pela Europa, mas que ainda não tinha sido lançada.
Atualmente, o gênero é compreendido como um processo e não possui regras fundamentais. Assim como Rita Benneditto, Pedro Selector conta que tem referências de elementos ancestrais, mas que não gosta de delimitar normas no momento da composição.
“Carregamos diversas influências e, na hora de compor, deixamos tudo muito livre, justamente para não emular um som. Mas a influência do afrobeat temos, com certeza”, relata Pedro.
Apesar das diversas formas de produzir afrobeat, não há dúvidas de que o gênero é um resgate à ancestralidade. A identidade de um povo, que está espalhado ao redor do mundo através da miscigenação, é restituída por meio da arte. Artistas, como Rita e Pedro, seguem empenhados no processo de valorização da herança africana na música brasileira.
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