Um mês após apresentação com testagem prévia de 5 mil espectadores e uso de máscaras, médicos concluem: só 6 pessoas tiveram Covid nos dias seguintes, e 4 a pegaram em outro lugar
Por Alessandro Soler, de Madri
Fotos: Reproduções/Palau de Sant Jordi
Uma experiência pioneira realizada há exatamente um mês na Espanha, e que nós noticiamos aqui no site da UBC, oferece um caminho viável para a retomada do setor de shows, o mais afetado da indústria musical pela pandemia. Os resultados finais de um amplo estudo conduzido pela Fundació Lluita contra la Sida i les Malalties Infeccioses, divulgados nesta terça (27), mostraram que, depois do show da banda espanhola Love of Lesbian, no último dia 27 de março, com 5 mil pessoas reunidas sem distanciamento físico no Palau de Sant Jordi de Barcelona, somente seis contraíram Covid-19 – quatro delas comprovadamente em outros lugares, e não durante a apresentação.
Não foi, no entanto, um show qualquer. Todos os presentes tiveram que fazer PCRs na manhã do evento, e seis pessoas que já tinham ingressos mas testaram positivo não puderam ir à apresentação naquela noite. Além disso, todos tiveram que usar ininterruptamente as máscaras do tipo FFP2, consideradas as mais seguras, a ocupação dos banheiros foi reduzida a menos da metade do normal, e ninguém pôde beber nem comer no setor da pista.
Os quase cinco mil presentes também foram divididos em três áreas específicas – onde, como já dissemos, podiam estar bem próximos uns dos outros, como num show em tempos “normais”, mas sem poder passar às outras áreas. E, não menos importante: foram reforçadas as medidas de ventilação constante do enorme espaço onde se realizou a apresentação, usado não só para shows mas também para eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, e, desde então, partidas de basquete e outras competições.
A ideia por trás das medidas de segurança e dos testes era dificultar as situações (como durante o consumo de bebidas e alimentos ou a grande circulação, sem restrições, pelo espaço como um todo) que favorecessem contágios.
Dos 5 mil presentes, 4.592 aceitaram ser monitorados pelas duas semanas seguintes, tempo de janela imunológica estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em que uma pessoa eventualmente contagiada pode vir a desenvolver sintomas. Do total, apenas seis desenvolveram a doença, todos sem sintomas ou com sintomas leves. No caso de quatro deles, após rastreamentos, ficou comprovado que o contágio se deu em outros âmbitos, e não no show.
“O concerto do Palau Sant Jordi não foi um evento de supertransmissão”, resumiu Josep María Llibre, médico do Hospital Universitário Germans Trias i Pujo e líder do estudo. “Se tomadas as mesmas medidas de testagem, uso de máscaras, limitações de consumo e circulação e reforços na ventilação, esta poderia ser uma fórmula possível para outros eventos do tipo.”
Se consideradas as seis pessoas contaminadas, a taxa de contágio seria de 130 por cada cem mil habitantes. Já se resumirmos o contágio real às duas pessoas cuja origem da infecção não pôde ser dissociada do show, a taxa despenca para 43 por cem mil. Na cidade de Barcelona como um todo, naquele período, a taxa era de 259 por cem mil.
E, no Brasil atual, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa que faz o levantamento diário dos contágios e das mortes – e compilados pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos –, a taxa de transmissão atual é de mais de 6.800 por cem mil habitantes.
“Uma incidência tão baixa como a do show da banda Love of Lesbian deixa claro que eventos desse tipo, nessas mesmas condições, podem ser realizados, não são um risco”, afirma o epidemiologista espanhol Juan Gestal.
Para ele, há situações muito mais problemáticas, como nas academias de ginástica, em restaurantes lotados ou até mesmo em certas empresas, onde não há monitoramento nem cuidados, o que expõe as pessoas a maior perigo. Contudo, diferentemente do setor de shows, ainda sem data para a retomada mesmo com a classe musical duramente impactada pela perda de renda, esses outros ambientes têm funcionado, às vezes, quase normalmente.
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