Empresários, produtores e artistas comentam expectativa de uma volta às apresentações – vinculada ao sucesso da vacilante campanha de vacinação contra a Covid – e dão como certa a incorporação de medidas de proteção e isolamento por longo prazo
Por Luciano Matos, de Salvador
Concertos musicais no seu velho formato ainda são grande dúvida, apostam especialistas
A retomada dos shows no Brasil ainda é uma grande incógnita. Sem um planejamento consolidado de vacinação em grande escala, e com a total impossibilidade de retomar os eventos físicos, dado o descontrole da transmissão nas últimas semanas, os artistas brasileiros continuam cheios de perguntas e quase nenhuma resposta.
Enquanto isso, países com processo de vacinação mais adiantado, como Israel e Reino Unido, já começam a planejar uma volta a normalidade. Como artistas e produtores estão planejando essa retomada quando for possível no Brasil?
A resposta parece ser a mesma: “os planos estão sendo escritos a lápis e dependem de uma vacinação em massa.” É assim que Simon Fuller, responsável pela carreira de grandes artistas como Marisa Monte, Los Hermanos e BaianaSystem, encara a retomada de shows no Brasil. “Acho que ainda precisamos de mais alguns meses para entender a velocidade da vacinação antes de poder prever quando teremos um retorno.” Os artistas empresariados por ele sequer contemplam um retorno tão cedo.
A cantora e compositora Márcia Castro segue no mesmo pensamento. Para ela, não tem como se preparar muito se não se sabe quando haverá uma retomada. “Eu tenho trabalhado na perspectiva desses espaços que se abrem entre um confinamento e outro”, diz. Segundo ela, as atividades devem continuar suspensas até o país ter uma vacinação em massa. “Nesses espaços de diminuição de curva de contágio, a gente consegue fazer algumas ações como lives De repente, se a coisa melhorar muito mais pra frente, talvez (possa haver) alguns shows presenciais com um público bastante reduzido”, diz. “Quanto à volta dos shows normais, é muito complicado se preparar pra algo que você não sabe quando vai acontecer.”
O produtor Ricardo Rodrigues, diretor da Let’s GIG, responsável pela carreira de nomes como Luedji Luna, Tuyo e Luê, diz ter se cansado “de fazer planejamento a lápis, de ficar remarcando, remarcando mais uma vez.” Ele tem investido no que é possível fazer no momento e apostado nas ações mais urgentes. "Tenho tentado jogar menos coisas pra frente e resolvê-las por agora mesmo: seguir pensando nos shows como produção de conteúdo, conteúdo audiovisual.”
Na questão prática, alguns produtores e artistas estão buscando alternativas e se preparando para retomadas, mesmo que seja, a priori, em ambientes abertos ou em formatos menores. Uma das iniciativas é fazer com antecedência um mapeamento do que pode mudar. “Estamos adaptando ao máximo todos os ryders dos artistas, estudando cada caso. Dependendo da estrutura que cada artista demanda, entendendo quais preocupações são principais, as questões de logística, o tamanho de equipe, a quantidade de equipamentos, os fluxos de passagem de som e as micrologísticas envolvidas em cada show”, explica Rodrigues.
O produtor reforça como todas essas mudanças têm tornado cada negociação mais lenta e difícil. “São muitas variáveis novas e que mudam também de acordo com os mil formatos possíveis de se realizar o espetáculo”, diz Rodrigues. “Acho que é importante que o mercado todo dialogue”, completa.
Entre os produtores, é dado como certo que a pandemia alterou por prazo indefinido a maneira como nos portamos em espaços (fechados ou abertos) com a presença de muitas pessoas. Adotar a maior distância possível, instintivamente, lavar mais as mãos, usar álcool gel e até mesmo não descartar o uso de máscaras deverão se converter em hábitos que vieram para ficar.
Como o site da UBC publicou em janeiro, quem trabalha no setor já é consciente de que os custos do reforço na higienização impactarão os preços de ingressos pagos pelo público. “Testar toda a equipe para o vírus, otimizar filas de entrada, bar, banheiros, provavelmente automatizar alguma parte dos serviços e tudo isso significa ter custos mais altos. Talvez, com a vacina, as mudanças sejam mais sutis, mas certamente existirão”, disse Ana Garcia, produtora do Coquetel Molotov, festival de música de Pernambuco.
Para a produtora Bina Zanetti, do festival Brasis no Paiol, de Curitiba, vai haver várias mudanças nos eventos. “Inicialmente, no caso de edições presenciais, teremos redução de 40 a 50% da capacidade de público e protocolos de saúde rigorosos para eventos de grande porte. Penso que, no segundo semestre de 2021, os eventos voltarão a certa ‘normalidade’ referente a quantidade de público e os protocolos de saúde sejam mais leves, na esperança de que parte da população já esteja imunizada com a chegada da vacina.”
Outra tendência já antecipada por nós, e que vem sendo verificada na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, é a realização de edições híbridas, com parte do público no local dos shows e uma enorme plateia em casa, beneficiada por uma melhorada qualidade de transmissão que aportará experiências variadas. "Vamos sair da proposta de live como se fosse um show filmado e vamos pra um lugar mais criativo e com mais interatividade", previu Heloisa Aidar, sócia da Altafonte Brasil e diretora-executiva da Altafonte Music Publishing Brasil. Ela acredita que o próprio retorno dos espetáculos presenciais deve alterar o formato de shows virtuais. "Acredito que vamos explorar essas modalidades de outras formas, e não como a única opção.”
"Temos hologramas, realidade virtual, realidade aumentada, games, são diferentes experiências e, ainda assim, é música, emoção, conexão. Como diria o filósofo, sem a música, a vida seria um erro", corroborou Guta Braga, especialista em direitos autorais.
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