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De quem dependem os independentes
Publicado em 27/09/2019

Como são as relações entre artistas do midstream e as equipes que os ajudam em agenciamento, divulgação, produção, finanças e outras questões burocráticas

Do Rio

A coisa, com algumas exceções, funciona mais ou menos assim: o artista (ou grupo) começa a compor, a tocar, vê que dá certo, que a coisa tem futuro, vai levando como pode os diversos aspectos burocráticos para pôr o projeto em pé, agendar shows, gravar, distribuir, divulgar-se, organizar turnês... até que se dá conta de que é tarefa hercúlea cuidar de tudo e que ser independente não é sinônimo de ser completamente autônomo. Num mercado tão diversificado, tão instantâneo, é preciso com frequência amparar-se numa equipe para dar conta de certas respostas em velocidade e com profissionalismo mínimos. 

Mas qual é o momento em que o independente se dá conta de que precisa de ajuda alheia? E como são, em geral, as relações entre os artistas pequenos/médios e seus colaboradores?

Não há, evidentemente, respostas únicas, mas alguns casos que a gente separou lançam um pouco de luz sobre elas. 

LEIA MAIS: Quando os artistas contam com a ajuda dos fãs para administrar suas carreiras

Dingo Bells

Foto de Vitória Proença

O quarteto independente de rock formado em Porto Alegre por Rodrigo Fischmann, Diogo Brochmann, Felipe Kautz e Fabricio Gambogi tem nome e prestígio na cena alternativa nacional, bate o circuito de festivais de Norte a Sul, já lançou três álbuns desde 2013, tem presença nas redes sociais e continua a ter um envolvimento notável nas decisões do dia a dia. Mas entendeu há muito que é preciso delegar. “Não é novidade que, para uma banda que está fora das estruturas de gravadora, seja necessário formar uma equipe de trabalho, que auxilie em diversas funções vitais, seja na parte de venda dos shows, na produção de campo, no planejamento de carreira, planejamento e execução das redes sociais, comunicação... Ser independente é ser bastante dependente”, resume Rodrigo Fischmann. “A música que fazemos não passa pela apreciação de alguém com poder de veto ou aprovação. Nesse sentido, somos totalmente independentes. E isso não quer dizer que observar os caminhos estéticos de outros artistas não seja importante e não sirva de influência.”

Felipe Kautz explica que, como qualquer independente do século XXI, “precisamos assumir os famosos 360º da carreira: comunicação visual, agenda de shows, planejamento, contabilidade, figurino, cenografia, montagem de equipe, fazer a ponte com distribuidores de música e com os representantes de direitos autorais, criar empresa com CNPJ, montar loja virtual e administrá-la, fazer site e cuidar de redes sociais, comunicação com a imprensa, parcerias com marcas, enfim. Fora toda a parte de criação musical, produção, clipes etc.” 

Mas isso se faz, como ele conta, desde uma perspectiva de gestores, contando com uma série de colaboradores que, em geral, trabalham por empreitada, não de forma fixa. “Contamos com alguns parceiros e amigos ao longo do caminho. Até porque não dominamos várias dessas atividades que nos são necessárias. Já trabalhamos com fotógrafos, diretores, artistas visuais, contadores, figurinistas, bookers, assessorias de imprensa, especialistas em redes sociais, produtores culturais, musicais e executivos, desenvolvedores de site e mais toda equipe técnica que um show demanda”, enumera Kautz. Temos acordos (fixos) com pessoas mais próximas do dia a dia da banda, como a nossa booker, por exemplo, mas tudo é combinado e conversado para que a relação siga num modelo ganha-ganha. Nosso mercado é muito variável e diverso, então ter essa maleabilidade – sem contratos muito restritivos – acaba sendo positivo para todos os envolvidos.”

Para Fischmann, o principal sinal de alerta para a necessidade de delegar e buscar colaboradores “é quando o artista independente se torna somente um gestor, tendo que administrar tão integralmente seu projeto que não consegue mais pensar no pilar fundamental da sua carreira, que é a parte artística. É um problema silencioso, mas no final das contas, um artista sem uma equipe competente não consegue atingir todo o seu potencial.”

Letrux

Foto de Antonio Brasiliano

Foi exatamente para poder seguir criando algumas das canções mais interessantes da cena indie pop carioca (e nacional) que a banda capitaneada por Letícia Novaes e integrada ainda por Arthur Braganti, Natalia Carrera, Thiago Rebello, Lourenço Vasconcelos e Marta V. foi construindo, aos poucos, um time administrativo. As primeiras parcerias foram por empreitada. À medida que a banda e as demandas cresceram, a produtora Laís Sampaio, da ejaòkun produções, virou fixa. “É natural a autoprodução no início da carreira, muito devido à construção do trabalho, descobertas artísticas, verbas etc. Um artista precisa conhecer de fato o seu produto, desejos, metas, vontades. É essencial. Entender também que a arte dele, no meio do mercado, é, sim, um produto”, ela comenta, ressaltando que, dito isto, é importante o artista estar livre para desempenhar sua função principal. “Eu não vou compor uma música porque não tenho esse dom, e o artista não vai fazer um cronograma de logística, pagar música no ECAD, entre outros exemplos, porque não é a função dele também. Quando você, artista, começa a ver que não dá mais para compor, tocar, cantar, viajar e, ao mesmo tempo, pensar em agenda, planejamento, burocracias, logística etc., é hora de delegar”, analisa Sampaio. 

Ela cuida, hoje em dia, do agenciamento e das vendas dos shows, que ocorrem literalmente em todo o país. “Juntas, Letícia e eu pensamos em tudo, desde estratégias a planejamento de projetos. Estamos em setembro de 2019, mas o planejamento já está em maio/junho de 2020”, ela conta. Até o início deste ano, a Letrux tinha uma equipe reduzida devido aos altos custos de logística e aos cachês frequentemente enxutos pagos aos artistas do midstream. Isso significa, como conta Laís, estar na estrada mais vulneráveis a problemas técnicos ou contratempos, uma realidade com que todo projeto independente desse porte precisa lidar. Hoje, há uma equipe definida para os shows, além da produtora que cuida das demandas operacionais. 

“Agora estou conseguindo criar uma equipe para cada necessidade específica, como vendas, comercial, técnica, administrativo etc. Essa gestão é feita também com a rotatividade do trabalho e o tamanho das conquistas, se assim posso dizer”, descreve Sampaio, lembrando que “o midstream é uma porcentagem mínima da produção musical. Viajar pelo Brasil se torna muito caro e é uma logística que às vezes sai mais alta financeiramente que o próprio cachê artístico. Quando falamos de que o midstream é um pouco feito na 'resistência', é pelo motivo de que há poucos espaços (casas de shows) para um público de 500 a 1500 pessoas, onde, junto a todos os custos, a conta vá fechar. Geralmente, a nossa realidade é feita em um balancete de alguns shows que fazemos para alcançar públicos e cidades, somada a cachês/condições estáveis, que, no final do fluxo, chega a um saldo positivo. O nosso som não toca nas rádios convencionais, o mecanismo de divulgação hoje também é outro. A bolha existe, mas está prestes a estourar, pois tem muita coisa boa sendo produzida nesse midstream. Me arrisco a dizer até que essa nossa bolha é a MPB dos anos 60/70.”

Jonathan Ferr

Esse pianista de jazz de 31 anos, natural do subúrbio carioca de Madureira, desconcerta. Ao não militar no pop, no funk, no rock nem, muito menos, no sertanejo ou em outros estilos mais difundidos no país, tem a missão de espalhar sua arte bastante dificultada. Mas, há seis anos, quando decidiu abraçar a carreira artística, arregaçou a mangas e decidiu não se deter diante de dificuldades. Autoprodução, autoagenciamento, autodivulgação e todo e qualquer outro “auto” que se possa imaginar são com ele. Como a gente já contou em reportagem ano passado aqui no site, o artista, atração no Espaço Favela do Rock in Rio no sábado da semana que vem (5 de outubro), teve a ajuda de fãs no início. Na camaradagem. Aos poucos, com a expansão na carreira, no número de shows, no retorno com streaming e em outras fontes de renda, pôde, enfim, montar uma equipe enxutíssima. 

“Sula Ferr, minha irmã, é estilista e produz meu figurino. Hoje tem algumas marcas que me vestem, mas é com ela que eu posso contar, e a Tânia Artur é produtora, advogada, trabalha com administração e, desde o início, acreditou muito em mim. Hoje ela é minha manager e sócia no Festival Jazz Out”, ele explica. 

Em abril, Jonathan lançou seu disco “Trilogia do Amor”, no qual plasma sua mistura peculiar de jazz, hip hop, soul e música eletrônica com produção de Vini Machado. Já fez turnê pela Europa também. Sempre na base dos contratos por empreitada e de um olhar próprio e aguçado sobre a carreira e o que quer dizer e ser. Prova disso é que liderou todo o processo de concepção, execução e divulgação do disco. “É o resultado de uma busca espiritual à procura de respostas sobre ancestralidade, afeto, amor, energia e conhecimento”, contou Jonathan, que pôs a mão na massa e dirigiu os três curtas-metragens que acompanharam as três partes do álbum, “A Jornada”, “O Renascimento” e “A Revolução”. 

Participantes do Impulso

As bandas Canto Cego e Mulamba e o cantor Romero Ferro, participantes do Impulso, o projeto de mentoria, capacitação e networking da UBC, sabem bem o que é se equilibrar entre a necessidade de contar com profissionais especializados em suas carreiras em expansão ao mesmo tempo em que devem manter os custos sob controle. Em diferentes posts no site do Impulso, eles, que trabalham com equipes mínimas e participam ativamente da comunicação, da interação com os fãs em redes sociais e da produção dos seus shows, por exemplo, deixam dicas valiosas a outros independentes que estão começando. Num papo recente com Fabiane Costa, coordenadora do Espaço Favela do Rock in Rio e curadora do Rio2C, Ferro teve interessantes reflexões sobre como priorizar a criação sobre todo o resto. 

"A mensagem principal foi: que nunca se perca o artista. Ele é muito conectado com planejamento, marketing, entende a necessidade de não ser só da música, mas ter conhecimento do mercado. Mas lembrei que deve ter cuidado e fazer isso de maneira equilibrada. No final das contas, o que vende mesmo é ele como artista. Não adianta ter planejamento e não ter a arte”, conta Fabiane, que ainda recomendou a Romero treinar alguém que já integra o seu time para assumir a parte executiva, negociar shows, ir atrás de parcerias comerciais e oportunidades. “É sempre melhor ter na equipe uma pessoa com garra, dedicada a ele. Como ele ainda não é supercomercial, vai precisar ser um trabalho de persistência, de fazer contatos.”

LEIA MAIS: Veja outras dicas no site do Impulso
 


 

 



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