Um dos primeiros em se gravar e editar, ele teve a ajuda da mulher e empresária, Flora Gil (foto), no caminho por mais controle sobre sua obra
Do Rio
Foto de Gerard Giaume
Em tempos de faça (e grave e distribua e administre) você mesmo, um dos mais conhecidos artistas brasileiros foi pioneiro na tomada de controle sobre sua obra. Gilberto Gil conseguiu melhorar acordos antigos que tinha desde os anos 1960 com selos e editoras, criou sua própria gravadora e, hoje, não só tem uma administração 360 sobre tudo o que se refere a seu trabalho como também passou a gravar, editar e distribuir outros artistas, Jorge Mautner, a banda Tono e Preta Gil entre eles.
Artífice dessa nova fase, Flora Gil, empresária e mulher de Gil, falou sobre o tema durante a feira Rio2C, em abril passado, no Rio. Ela deixou claro que, por décadas, os contratos que o artista tinha com majors foram mais do que vantajosos e refletiam o mercado de então. Os ruídos surgiram na era digital, quando Gil quis explorar suas canções em serviços de download e streaming.
“Os contratos foram assinados num momento em que a relação de um artista com uma grande gravadora era outra. Eles chegavam a mandar limusine para buscar o Gil e levá-lo ao estúdio para gravar, pagavam tudo, paparicavam. Somos gratos pela forma como lançaram a carreira dele, era mesmo justo que ficassem com a maior parte dos lucros. Mas isso tudo mudou. Na era digital, ao tentar explorar a obra dele (em lojas virtuais e streaming), cláusulas desses contratos dos anos 1960 que contemplavam 'meios que venham a ser criados' nos engessavam, à medida que nos impediam de ter uma melhor remuneração nesse contexto digital”, ela afirmou durante a feira.
À UBC, Flora explicou como se consolidou a Gege Produções, a empresa guarda-chuva do mestre da MPB que atua como selo, editora e administradora da carreira dele. Com negociações — às vezes judiciais —, foi possível ir retomando o controle sobre o catálogo e estabelecendo remunerações equitativas, que favorecessem todo mundo. “Hoje, o controle da obra musical de Gil é total”, afirma ela, ressaltando que contratos com gravadoras podem ser desejáveis.
“Se uma gravadora contrata um talento, certamente acredita que vale a pena investir na construção de uma parceria. Isto é, desenvolver uma relação positiva para as duas partes, onde cada um dá o que tem de melhor. A gravadora poderá situar o artista no mercado, abrir portas e apontar caminhos. O artista, do seu lado, fornece para a gravadora o conteúdo do seu negócio. Portanto, é fundamental que a relação seja equilibrada, clara e transparente. Não podemos dizer que um contrato é danoso por ele mesmo, porque, quando as pessoas contratam, há uma presunção de que estão de boa-fé e de desejo de sucesso mútuo, especialmente em uma relação entre gravadora e artista. Acontece que o artista nem sempre quer ou tem as condições de se aprofundar nos detalhes negociais e pensar nos desdobramentos de tudo que está escrito no contrato. É preciso que haja transparência e espírito de parceria, caso contrário, o contrato pode vir a resultar desequilibrado e danoso para uma das partes”, ela diz.
Apesar da autogestão, Gil, hoje, aposta em parcerias com distribuidores digitais e gravadoras em projetos específicos. “No caso do último álbum de Gil, o “OK OK OK”, por exemplo, construímos uma parceria com Altafonte e Apple Music para a distribuição digital e tivemos um megaplanejamento de marketing e promoção no lançamento do disco. Contratamos pessoal de marketing durante o período do lançamento, deu muito certo. Não temos a intenção de manter uma estrutura interna de vendas e distribuição de produtos físicos (CDs, LPs, DVDs), que ainda consideramos importante. Então, preferimos manter uma parceria com uma gravadora para este fim”, ela exemplifica.
Esses acordos caso a caso tendem a permitir boas negociações para ambas as partes, como Flora descreve. “Agora mesmo, estamos trabalhando com a Deck Disc para distribuição de Jorge Mautner. Com 'OK OK OK', fechamos uma boa parceria, no fisico, com a Biscoito Fino. Vamos lançar um produto muito especial agora no segundo semestre, um disco com canções cantadas em iorubá, um projeto belíssimo do Grupo Ofá, do Terreiro do Gantois da Bahia. E novamente estaremos terceirizando a distribuição física e digital.”
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