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Jean-Michel Jarre: “Para defender a diversidade da oferta de música, devemos evitar monopólios abusivos”
Publicado em 19/06/2018

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Confira entrevista do presidente da Cisac sobre o poder dos gigantes da internet e a iminência da votação de uma nova diretiva na Europa que espera dar mais poder de negociação aos autores

De Paris*

Presidente da Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (Cisac) — uma entidade não governamental que representa quatro milhões de artistas de 121 países (a maioria músicos, mas também escritores, especialistas em audiovisual e artes visuais...) —, Jean-Michel Jarre (foto) decidiu defender os criadores contra os “monstros da internet”. Isso ocorre enquanto a nova Diretiva de Direitos de Autor está para ser votada na comissão de Justiça do Parlamento Europeu, nesta quarta-feira (20), antes da sua adoção final, prevista para o início de julho. O pioneiro do electro, que empregou todo o seu prestígio na tentativa de influenciar o texto, dará sua visão sobre o tema aos parlamentares europeus no próximo dia 26. 

 

Le Monde: Para os criadores, quais são os problemas envolvidos na votação da Diretiva de Direitos Autorais no Mercado Digital comunitário?

JMJ: O que está em jogo são o futuro dos criadores, a nossa cultura e a influência dos nossos artistas. Crianças que sonham em se tornar fotógrafas, escritoras, cineastas e musicistas se frustrarão, se não estabelecemos um modelo econômico justo para o século 21 no que tange à disseminação e ao consumo de cultura através da internet e dos novos meios. Contudo, não se trata de estigmatizar os maiores players da web nem de dizer que o “GAFA” (Google, Apple, Facebook e Amazon) é o nosso inimigo. Eles podem, sim, ser nossos interlocutores e nossos parceiros potenciais. 

O que precisamente vocês estão pedindo?

Bruxelas deve estabelecer um marco legal que nos permita entrar em negociações com atores como o YouTube, que se definem como plataformas de arquivamento e armazenamento, e não plataformas de conteúdo. Por quê? Porque a lei lhes permite não pagar nada pelos direitos. O Google e o YouTube têm jogado assim há anos. Para qualquer pessoa, a principal plataforma de streaming é o YouTube. Só o Google não reconhece isso. O desafio é combater pessoas que desenvolveram coisas grandiosas uns 20 anos atrás em seus estúdios, e que acabaram criando monstros, etimologicamente falando. Eles não atentaram para os danos colaterais que poderiam causar. Recusar-se a regular a internet em nome da liberdade de expressão é como recusar-se a obedecer os códigos de trânsito numa estrada em nome da liberdade de movimento.

O que se deve fazer para que o YouTube remunere os artistas como o Spotify faz?

É extremamente simples. O YouTube deve ser descrito em lei como uma plataforma de serviços em pé de igualdade com o Spotify ou o Deezer. Hoje, a brecha de remuneração entre YouTube e Spotify é de 1 para 20. O valor da criação tem sido transferido aos distribuidores. Esse é o problema de base. 

Paradoxalmente, as indústrias criativas nunca foram tão prósperas em termos de empregos e fluxo de trabalhadores. Mas os criadores, o coração dessas indústrias, nunca receberam tão pouco. Temos que pôr um ponto final a essa distorção. 

Se trata de um problema estritamente europeu?

Este é um desafio para os criadores no mundo todo. A diretiva irá necessariamente provocar um efeito dominó. A Europa, sob grande ataque nos últimos anos, está tendo a chance de mostrar sua relevância, sem a qual não veremos o próximo Tarantino, o próximo Coldplay ou o próximo Houellebecq. 

Faz cinco anos que temos lutado e temos estado extremamente vulneráveis em relação às pessoas que nos atacam com argumentos absolutamente sem base. É errado dizer que nós, criadores, estamos contra a tecnologia ou a liberdade de expressão. Isso é escandaloso. A questão aqui é saber se queremos ser colonizados digitalmente. Estamos falando da Europa, mas e a África? E os países emergentes, que são muito mais vulneráveis que nós em termos de identidade cultural? Por que o continente africano se mira no Parlamento Europeu e na França? Nossa responsabilidade sempre foi dar um exemplo de respeito pela cultura. Não devemos arrefecer. Em última análise, a proteção das linguagens e da diversidade está sob ameaça. 

Como o lobby do “GAFA” trabalha em termos práticos?

Diferentemente dos criadores, estes lobistas estão aí o tempo todo. Eles também tentaram entrar tanto no Congresso dos EUA como no Parlamento Europeu. Eles erroneamente alegam que os direitos dos autores, ao remeter a Beaumarchais, estão defasados. E procuram comprar uma obra (artística) da mesma forma como se compra um pote de iogurte ou um tubo de pasta de dente. Isso é inaceitável.

Quanto eles gastam em lobby?

Segundo o Registro Europeu de Transparência, em 2016 o Google gastou 4,5 milhões de euros em lobby; a Apple, 1,2 milhão; e o Facebook, algo bastante similar. Ao todo, eles têm cerca de 30 representantes permanentes em Bruxelas e pelo menos esse tanto em Washington. O poder de fogo do Google comparado ao dos criadores? Não está nem sequer na mesma galáxia...

Contudo, esses gigantes da internet têm uma fraqueza maiúscula: sua imagem. Isso é o que explica, hoje, os problemas do MySpace ou do Facebook. Os artistas também são vulneráveis, frequentemente constrangidos ou desconfortáveis ao falar sobre o valor das suas criações, defendê-las. Mas eles podem se fazer ouvir, mesmo se na França, quando falamos sobre cultura, ou em Bruxelas ninguém esteja mesmo muito interessado em ouvir. Porém, (esse tema) é tão importante quanto foi a ecologia há 30 anos. 

Como podemos defender a diversidade da música disponível?

Devemos evitar monopólios abusivos. O YouTube não deve se tornar um deles, impedindo a diversidade. De outra forma, nos estaremos dirigindo a um “1984”, o romance de George Orwell. Ouve, lê e vê o que te digam! Vota em quem te digam! O problema todo é esse. 

O streaming está na sua primeira infância. Devemos agir, mas não ser pessimistas. O conceito de propriedade intelectual levou quase um século até se transformar numa ideia adotada por todos. A internet tem 20 anos. Ainda estamos na pré-história da era digital. É normal que seja um pouco caótico organizar sua regulação. 

O YouTube, que lançou um serviço pago nesta segunda (18), finalmente remunerará aos criadores?

Como se por acaso, as plataformas lançam seus serviços pagos dois dias antes da votação na Europa. É lobby indireto, que prova que nossa voz começa a ser ouvida. O YouTube, com razão, teme a reação do Parlamento Europeu e espera poder dizer: “Veja, não há a necessidade de mudar o marco legal...”

 

*Publicado originalmente no diário francês “Le Monde”, nesta terça-feira (19), e divulgado pela Cisac. Todos os direitos reservados ao “Le Monde”.


 

 



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