Canções que ajudam a difundir e enriquecer nosso idioma são fio condutor de instalações no espaço recém-reaberto
Por Ricardo Silva, de São Paulo
Nas canções de Caetano Veloso e Chico Buarque a Carminho e Ana Moura, de Chiquinha Gonzaga e Ary Barroso a Emicida e Rincon Sapiência, além de tantas composições eternizadas nas vozes de grandes como Cesária Évora, Elis Regina, Mariza ou Amália Rodrigues, o nosso idioma se fortalece e evolui. Nada mais óbvio que o Museu da Língua Portuguesa, reaberto semana passada em São Paulo depois de seis anos em obras após o incêndio que o destruiu, pusesse a música no centro da exibição. Tudo para ajudar os espectadores presenciais — em experiências imersivas — e também os visitantes virtuais a entenderem o que quer e o que pode a fala comum de mais de 250 milhões de pessoas em quatro continentes.
"Os letristas da música popular dos países lusófonos estão entre os artistas que mais e melhor usaram o idioma para expressar ideias, valores e sentimentos. Isso fica evidente na visita", resume Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, órgão ao qual está ligada a administração do museu.
Uma das mais emblemáticas instalações, a Praça da Língua, um verdadeiro planetário linguístico no qual o visitante é rodeado de palavras apresentadas por escrito, narradas e cantadas, traduz o sincretismo entre palavra e musicalidade.
Ao longo do percurso da exposição, ouvem-se trechos de grandes obras da literatura produzida nos países lusófonos, ouve-se gente a falar, ouve-se música. Aliás, antes mesmo de entrar a música já está presente. Por exemplo, nos vídeos virais do TikTok, que o museu tem publicado com pedacinhos da experiência da visita ao som de clássicos como "Alguém Me Avisou", de Yvonne Lara.
Ney Matogrosso, António Zambujo, Mart'nália: em vídeos e leituras, todos eles dão seu quinhão de contribuição para cativar e ajudar o público a se sentir pertencente a algo enorme, que une Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, Macau, Timor Leste e outros territórios que têm o português como língua oficial ou co-oficial.
"A língua portuguesa é a minha morada", reivindica Caetano Veloso, presente em instalações do museu. Como poucos, ele conhece o sabor dos tantos sotaques e falas do nosso idioma, e os celebrou em "Língua", uma de suas mais conhecidas canções, inspirada em "Minha pátria é a língua portuguesa", texto de Fernando Pessoa.
Para Carminho, uma das mais destacadas fadistas da nova geração, "nossa língua é universal, e a música vem lembrar isto." Ela exalta a ponte que o idioma comum cria entre os dois lados do Atlântico — e além. Uma ligação que vem ganhando força também em iniciativas como a websérie Ponte Aérea: Portugal-Brasil, que une grandes nomes da produção musical contemporânea de cá e de lá em papos de alto nível e shows, às terças e quintas-feiras. Realizado pelo canal Papo de Música, criado pela jornalista Fabiane Pereira no YouTube, o projeto tem patrocínio da UBC e da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), entidades que recentemente celebraram um acordo de representação mútua dos respectivos associados nos dois países.
Se esta língua não permite que nos separemos, mesmo com as idiossincrasias que assumiu em cada país, é preciso trabalhar ativamente para preservá-la. Por isso a exposição foi pensada para ser atraente, lúdica, envolvente. "Nosso museu é de educação, entretenimento e produção de conhecimento que valoriza e promove o maior patrimônio comum dos países lusófonos, que é a língua portuguesa. Ele reforça as conexões entre os países onde se fala o português e também o senso de pertencimento do público", define Sá Leitão.
O resgate de nomes que careciam de maior reconhecimento, como a genial Carolina Maria de Jesus, que, além de escrever a obra-prima "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", em 1960, também compôs canções, dá o tom desse trabalho. Como o acervo é todo digital, poderá ser acessado em exposições virtuais e programas de promoção das atividades do museu mundo afora. Mas nada que desvalorize o imponente espaço físico do museu, anexo à Estação da Luz, no Centro da capital paulista.
Após o incêndio que destruiu por completo o prédio que havia sido remodelado com projeto de Paulo Mendes da Rocha, um novo museu, ainda mais ambicioso, foi criado. "Houve uma expansão, com novas áreas e experiências, uma atualização tecnológica e a renovação de boa parte do conteúdo. Foi, portanto, uma transformação", conclui o secretário. No site do museu, conheça os horários de funcionamento e as exposições em cartaz.
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