Caso de músico que teve seus programas derrubados do Spofity por ausência de licenças expõe a complexidade da inclusão de faixas nesse formato
Por Fabiane Pereira, do Rio
À medida que o consumo de conteúdos de áudio e vídeo vai deixando as grades fixas de programação de TVs e rádios e se tornando cada vez mais sob demanda, o formato de programetes curtos de áudio e com conteúdos variados conhecido como podcasts ganha popularidade. O uso de músicas neles, porém, continua a ser um tema complicado.
A rigor, não é permitido veicular nem um segundo sequer de músicas protegidas por direitos autorais sem autorização. O que não impede que muitos produtores o façam, na esperança de que as plataformas que veiculam esses conteúdos — e a mais popular delas é o Spotify — não percebam a irregularidade. Ocorre que, com frequência, o uso irregular é flagrado, derivando no bloqueio do episódio com problemas — e, às vezes, na exclusão de todos os podcasts.
Foi o que ocorreu com o músico carioca Rodrigo Lampreia, que teve 100% dos programetes que produziu removidos do Spotify de uma vez, quatro meses após criar seu podcast. “Perdi os 16 episódios”, lamenta.
Ele conta que vinha inserindo trechos de músicas em seus conteúdos por achar que era permitido. “Desde o início, eu usava trechos de músicas associadas a um comentário, notícia ou quando a letra casava com depoimentos de convidados. Comecei inserindo no máximo 30 segundos de uma faixa, o que já é permitido em redes sociais como o Instagram (Reels), ou 15 segundos, como também já acontece nos Stories do Instagram. Na minha cabeça, esse uso estaria autorizado como nas demais redes. Algumas vezes, eu passava um pouco desse tempo, porque o depoimento do convidado durava mais que isso, e a música era uma espécie de trilha de fundo daquela fala”, lembra.
No início, Rodrigo esperava por algum tipo de aviso da plataforma corroborando se o uso estava correto ou não. “Como o podcast é uma espécie de rádio online, e as rádios tocam músicas na íntegra, para mim estava tudo dentro da normalidade.”
O músico não contava com a inexistência de licenças-cobertor (coletivas) ou mesmo de acordos estabelecidos entre as plataformas de veiculação (como o Spotify) e os titulares que contemplem os direitos de reprodução. O que acontece aqui é que as plataformas se entendem como meros portos, meros hospedeiros onde os conteúdos são oferecidos, não tendo qualquer relação com a produção dos podcasts e suas respectivas autorizações.
Por isso, seus produtores devem pedir as licenças individualmente a cada um dos players envolvidos numa música: compositores, intérpretes, editoras, produtores fonográficos. Não basta obter a autorização de apenas algum deles; todos precisam dar sua anuência, o que torna o uso de uma canção comercial num podcast, se não impossível, algo muito difícil hoje em dia.
Muitos programetes têm trilhas sonoras específicas, criadas especialmente para eles e que cumprem com todas as etapas de licenciamento. Outros utilizam bancos de trilha branca, que não requerem licenças. Mas simplesmente usar uma música num podcast contando que haverá uma licença não é correto, uma vez que, diferentemente do que ocorre em redes (como Facebook e Instagram, por exemplo) que têm acordos para o pagamento de direitos de reprodução estabelecidos com selos, editoras e outros players, no caso dos podcasts eles não existem.
“No quarto mês do projeto, ao tentar fazer o upload do episódio por várias vezes, sem sucesso e sem receber explicações da plataforma pelo motivo do erro, fiz um Stories comentando o que estava acontecendo. No dia seguinte, recebi um e-mail dizendo que eu estava infringindo as regras e que todos os meus episódios seriam retirados. Como sou compositor, compreendi a punição, nada mais justo do que preservar o direito do autor”, afirma Rodrigo Lampreia.
Rodrigo Calmon, fundador da C'MON Podcasts e host do podcast “Escuta Isso Aqui”, diz desconhecer casos como o do artista. “Eu não tinha conhecimento de nenhum produtor brasileiro que teve o seu podcast inteiramente derrubado. E aqui me refiro ao feed que agrega todos os episódios”, explica. Para Calmon, o maior receio que todo produtor de podcast deveria ter é com o uso de conteúdos que não pertencem a ele próprio. “É algo muito parecido com os cuidados que o pessoal que produz para o YouTube já tem”, compara.
Atualmente, a fiscalização por parte das plataformas em relação ao uso de músicas nos podcasts não é muito severa. “Ainda existem podcasts com uma audiência mais expressiva que lançam episódios semanais que ferem direitos autorias. Mas eles fazem isso assumindo o risco de, a qualquer momento, ter que tirar um de seus episódios do ar, ou ter que pagar alguma multa por isso. Embora pequena, a fiscalização hoje em dia é muito maior do que já foi e ainda muito menor do que promete ser num futuro próximo”, relata Calmon.
O caso dos direitos de execução pública
Quando a questão é a execução pública, a coisa muda um pouco. Como explica o Ecad, os acordos estabelecidos com as plataformas (como o Spotify) também incluem os podcasts. Ou seja, os titulares de direitos recebem pela execução pública das suas faixas nesses programetes.
A tabela de preços cobrados pelo Ecad referente ao direito de execução pública em podcast foi definida a partir de três critérios. “O primeiro deles é a forma de utilização, que neste caso é a utilização por meio de podcast. Outro fator analisado é a finalidade da plataforma, que pode ser comercial ou promocional. A última característica analisada é a importância da música em relação ao conteúdo disponibilizado pela plataforma. Neste caso, são analisados três critérios, se o uso da música é principal, de entretenimento ou pequeno”, comenta Clarissa Bretas, da Comunicação do Ecad.
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