Em entrevista à UBC, cantor, compositor e multi-instrumentista fala sobre sua prolífica fase criativa durante a pandemia, com três discos lançados, seus trabalhos voltados para crianças e o reconhecimento internacional
Por Kamille Viola, do Rio
Foto de Magali Moraes
Apesar do cenário de instabilidade durante a pandemia de covid-19, Carlinhos Brown conseguiu seguir dando vazão à criatividade. O cantor, compositor e multi-instrumentista lançou três discos, sendo um deles com repertório quase todo criado no período de isolamento, e um clipe. “As dificuldades que nos chegaram com a pandemia não podem ser ignoradas, mas venho acreditando cada vez mais no poder do foco e da concentração para buscar novas saídas, descobrir novas metas e novos sentidos, encontrar novas possibilidades de ação, rever planos e, sobretudo, buscar entregar o meu melhor em cada coisa que faço”, conta à UBC por e-mail.
Em junho, o artista lançou a faixa e o clipe “ABOTA”, que faz referência ao assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e critica o racismo no Brasil. Também fez a live “Umbalista”, com direção artística de Batman Zavareze e exibida pelo canal Sony. Em agosto, lançou o álbum de mesmo nome, com composições que ficaram conhecidas nas vozes de outros intérpretes, como “Muito Obrigado Axé”, gravada anteriormente por Maria Bethânia e por Ivete Sangalo, e “Maria de Verdade”, registrada por Marisa Monte. “O desejo de gravar as músicas com a minha voz já existia, mas havia outros projetos em andamento, e cada coisa em seu momento, para que possa acontecer com a integralidade merecida, não é?”
No mesmo mês, Brown soltou o disco infantil “Paxuá e Paramim Em: A Floresta dos Rios Voadores”, com dez canções apresentadas ao lado de Milla Franco, sua parceira em seis delas. Há também uma parceria com Arnaldo Antunes. Quase todas as faixas foram compostas durante a pandemia. Em julho, ele já havia lançado o primeiro trabalho da série educativa, “Carlinhos Brown Kids apresenta Paxuá e Paramim — Vol 1”, com seis músicas. Os trabalhos, com personagens criados pelo artista há seis anos, falam sobre a preservação do meio ambiente. “Criar novas possibilidades para o universo infantil é algo que me motiva e me impulsiona muito”, diz ele, jurado do reality “The Voice Kids”, que estreou nova temporada este mês.
Como tem sido sua rotina durante a pandemia, já que ela levou a cancelamentos diversos? Anda compondo?
Tem sido uma rotina de ainda mais trabalho e concentração. A pandemia me trouxe a possibilidade de revisitar minha obra, mergulhando novamente em letras e canções, compreendendo de novas maneiras a força que tem todo o trabalho que fui construindo no passar dos anos, e, claro, trazendo essa força, que é uma mola propulsora, para as novas composições.
Estes meses têm sido muito significativos para mim e para o meu aprimoramento artístico. Consegui criar ainda mais coisas novas, conversar mais com meus parceiros, estar mais com meus filhos e ter mais presença e atenção em tudo. Venho participando de muitos movimentos interessantes, e há muitas coisas sendo articuladas também, ganhando vida.
Você gravou músicas que foram sucesso em registros de outros artistas. O que o levou a regravá-las? Chega uma hora em que o compositor quer mostrar a sua versão para própria criação?
O compositor também vive da constante experimentação de sua capacidade interpretativa, então o desejo de gravar as músicas com a minha voz já existia, mas havia outros projetos em andamento e cada coisa em seu momento para que possa acontecer com a integralidade merecida, não é? Na vida, cada passo dado traz um amadurecimento novo, e na música não é diferente: estamos constantemente lapidando nossos dons, aprimorando o canto, os modos de tocar os instrumentos e a própria criação. “Umbalista”, com esse repertório em que apresento versões inéditas de canções queridas que ganharam vida na voz de outros artistas, como “Velha Infância”, “Muito Obrigado Axé”, é um álbum especial nascido em meio a um cenário de muitas incertezas que nos balançaram, trouxeram tristezas pelas perdas de pessoas queridas e pelas instabilidades, mas um cenário que trouxe também uma oportunidade única, verdadeiramente singular, como disse, de olhar para a nossa história e descobrir ou mesmo redescobrir os pontos de mais força e de luz da nossa trajetória. E o pulsar dessa vontade de experimentar o novo segue crescente em mim.
Você lançou uma música, “ABOTA”, que faz referência ao assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e ao racismo em geral. Este ano, vimos explodirem as manifestações no Brasil e no mundo inspiradas pelo movimento Black Lives Matter, e também por acontecimentos trágicos aqui, como o assassinato do adolescente João Pedro em casa, em São Gonçalo (RJ), e a morte do menino Miguel, em Recife. As discussões sobre racismo estão na ordem do dia. O que tem achado disso?
Penso que o debate é importante, porque mostra que estamos usando os espaços de discussão que temos disponíveis, enquanto seguimos conquistando outros espaços. Minha maneira de pensar e reagir é com música, é através das melodias, das sonoridades e das rítmicas. Então, naturalmente, o meu protesto e o meu posicionamento estarão sempre intrínsecos em tudo que faço, em cada letra que componho, em cada canção criada. “ABOTA” foi uma dessas inevitáveis respostas dadas através da música, onde os versos pedem para que a gente se repense como sociedade, pois não cabe mais espaço para tantas violências, tantas separações e injustiças. Precisamos seguir avançando.
Você também lançou um novo álbum infantil, "Paxuá e Paramim em: A floresta dos rios voadores", com esses personagens que criou e com os quais já lançou outros projetos. Que mensagem quer passar para as crianças?
A mensagem é sempre da esperança por tempos melhores, que pode ser conquistada através da educação. E, também, a mensagem do pertencimento, da importância da compreensão da natureza como uma força maior, da qual somos parte e que precisamos cuidar melhor. Desenvolvo criações variadas dentro do campo da música, da cultura e da arte-educação voltadas para as crianças há mais de 40 anos. Criar novas possibilidades para o universo infantil é algo que me motiva e me impulsiona muito.
Você é pai de sete filhos. A experiência da paternidade contribuiu para seu desejo de fazer trabalhos artísticos voltados para crianças?
A experiência da paternidade sempre foi contributiva, porque, à medida que vou acompanhando meus filhos crescerem e se desenvolverem como pessoas e também como artistas, que também são, eu vou me desenvolvendo junto. Mas a minha comunicação com o público infantil vem desde a minha própria infância no Candeal, que é o bairro onde nasci, fui criado e venho sendo lapidado por diversos mestres ao longo da minha vida. Com a criação dos personagens Paxuá e Paramim, vi um dos meus sonhos serem realizados, que era o de fazer canções e discos para o público infantil. Trabalhar com crianças é um frescor, e é uma forma também de dialogar com a minha própria criança, de dar as mãos a ela e aproveitar toda a potência desse encontro, pois as nossas crianças interiores são sempre os mestres dos mestres.
Você teve uma canção indicada ao Oscar, é membro da Academia (de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood), Embaixador Ibero-Americano para a Cultura. Como se sente em relação ao reconhecimento internacional que recebe?
Todo reconhecimento chega a um ponto da alma que te orgulha por missão cumprida. Mas, no caso de um artista, que por sua vez é intérprete de cultura, esse reconhecimento não fica no âmbito pessoal. Isso de um certo modo agrada a um conjunto de antecessores culturais que são a estrutura, a base. Então, o reconhecimento internacional que recebo dá-se muito pelo que carrego da minha cultura, pois a todo momento falei com orgulho das pessoas que andam comigo e que são meus parceiros, da música que elas fazem, da forma como cantam e do lugar em que nasci. Acredito que o reconhecimento que acontece é oriundo desse conjunto. E como é bom sempre saber que o que carrego e busco fazer reverberar em meu trabalho continua interessante para o mundo.
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