A três meses do fim do prazo para uso do dinheiro em ajudas e editais para a classe artística, total de municípios contemplados com recursos é de pouco mais de 17%; especialistas dizem que burocracia e atraso no repasse prejudicam aplicação
Por Roberto de Oliveira, de Belford Roxo, RJ
Aprovada há quase quatro meses, sancionada há mais de três e regulamentada em agosto, a lei Aldir Blanc (14.017/20) continua longe de cumprir seu propósito, concebido pelo Congresso: ajudar a classe artística a enfrentar os efeitos daninhos da pandemia sobre a atividade econômica e produtiva. Um levantamento da UBC mostra que, até a última quarta-feira (23), só R$ 1,6 bilhão dos R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC) que serão destinados a ajudas diretas a criadores e agentes culturais, além de editais e chamadas públicas, foi repassado da União a estados e municípios, responsáveis pela gestão dos recursos. O prazo máximo previsto pela lei para o uso das verbas é 31 de dezembro deste ano.
Desde que ainda era um projeto, a lei Aldir Blanc foi motivo de lives, cursos, materiais disponibilizados na internet e incontáveis conversas entre os agentes do setor cultural. Mas isso não se traduziu em celeridade na definição do uso do dinheiro nem, muito menos, do envio dele por parte do governo federal.
A parte que cabe a cada um foi calculada de acordo com a população e os Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (FPE e FPM), que são formas de transferência de recursos financeiros da União para essas entidades administrativas. A lista completa com os valores destinados a cada estado, município e Distrito Federal está neste link.
Estados e cidades têm funções específicas definidas pela lei para executar as ações emergenciais: Os estados ficam com o pagamento da renda emergencial mensal em parcelas de R$ 600, e os municípios pagam os subsídios para a manutenção de espaços artísticos e culturais, micro e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que pararam por causa da Covid-19. A única tarefa comum é a abertura de editais e chamadas públicas destinadas a fomentar projetos, prêmios, aquisição de bens e serviços e a realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais.
"Há algumas secretarias que possuem às vezes dois ou três funcionários em seu quadro, e há os gestores que desconhecem a política cultural."
João Guerreiro, professor de Produção Cultural
Uma vez feito o repasse, as administrações locais ou estaduais precisarão correr para cumprir o prazo de 31 de dezembro, dado o atraso no recebimento do dinheiro. Quem não usar o montante total deverá devolver o que sobrar aos estados, no caso dos municípios, e à União, no caso das unidades federativas. Esse é um ponto da lei que vem sendo objeto de muita controvérsia, já que o dinheiro oriundo do FNC, no caso de devolução às arcas federais, não voltaria necessariamente para a cultura.
De 4 a 16 de setembro, haviam sido pagos só dois dos quatro lotes previstos para serem desembolsados até 26 de outubro. Nesses dois primeiros lotes, foram transferidos R$ 1.316.847.667,42 a 18 estados e 573 municípios. O atraso faz analistas acreditarem que as administrações locais terão muita dificuldade para empregar corretamente os recursos no prazo previsto pela lei. Desde então, e até meados desta semana, as verbas enviadas aumentaram em pouco menos de R$ 300 milhões, com a adição de um terceiro lote, e o total de cidades contemplado chegou a 962, ou só 17% dos 5.570 municípios brasileiros.
Para o professor João Guerreiro, do curso de Produção Cultural do Instituto Federal do Rio de Janeiro, as duras exigências para o cumprimento da lei e a falta de estrutura na maioria das secretarias de cultura do país dificultam a adesão. “Há algumas secretarias que possuem às vezes dois ou três funcionários em seu quadro, e há os gestores que desconhecem a política cultural. Como essa lei é uma novidade, eles ficam com medo de serem penalizados”, analisa.
Para ajudar gestores municipais, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) lançou em seu site uma nota técnica que os orienta com uma série de informações que podem sanar algumas dúvidas em relação à aplicação da Lei Aldir Blanc.
O Maranhão foi um dos primeiros estados a receberem a verba, e os editais para o pagamento emergencial e o fomento à cultura estão disponíveis no site da secretaria estadual de Cultura. Anderson Lindoso, secretário de cultura do estado, diz que conversou muito com os artistas para construir o plano de ação e que isso agilizou o processo de elaboração dos editais e do plano de ação maranhense. Ele relata que uma das reclamações que mais escutou dos artistas foi sobre a burocracia, a exigência de tantas documentações para um pagamento que se diz emergencial. “A burocracia não permite alguns procedimentos, e a população está com dificuldade de entender e aceitar esses entraves”, afirma o secretário, que também ressaltou o pouco tempo que os gestores públicos têm para fazer os editais, as seleções e os pagamentos aos selecionados.
O DINHEIRO RECEBIDO ATÉ 23/9 PELOS ESTADOS
ESTADOS | VALORES PAGOS |
AMAZONAS | R$ 38.145.611,98 |
PARAÍBA | R$ 36.164.540,30 |
PIAUÍ | R$ 31.944.403,45 |
SANTA CATARINA | R$ 44.986.857,87 |
MARANHÃO | R$ 61.466.556,42 |
PARANÁ | R$ 71.915.814,94 |
RIO GRANDE DO NORTE | R$ 32.128.654,90 |
SERGIPE | R$ 24.577.545,76 |
ESPÍRITO SANTO | R$ 30.210.120,28 |
TOCANTINS | R$ 18.698.667,80 |
MATO GROSSO | R$ 25.594.825,31 |
BAHIA | R$ 110.761.683,10 |
GOIÁS | R$ 49.164.493,05 |
MINAS GERAIS | R$ 135.732.701,38 |
MATO GROSSO DO SUL | R$ 20.514.887,18 |
PARÁ | R$ 68.000.813,74 |
RIO DE JANEIRO | R$ 104.738.326,40 |
RORAIMA | R$ 10.747.615,59 |
RONDONIA | R$ 18.390.555,58 |
RIO GRANDE DO SUL | R$ 69.750.722,74 |
TOTAL | R$ 1.003.635.397,77 |
O NÚMERO DE MUNICÍPIOS CONTEMPLADOS ATÉ 23/9, POR ESTADO
ESTADO | MUNICÍPIOS CONTEMPLADOS | TOTAL DE MUNICÍPIOS |
TO | 28 | 139 |
SP | 124 | 645 |
SE | 11 | 75 |
SC | 70 | 295 |
RS | 94 | 497 |
RR | 1 | 15 |
RO | 5 | 52 |
RN | 56 | 167 |
RJ | 28 | 92 |
PR | 55 | 399 |
PI | 70 | 224 |
PE | 36 | 185 |
PB | 72 | 223 |
PA | 9 | 144 |
MT | 13 | 141 |
MS | 10 | 79 |
MG | 105 | 853 |
MA | 25 | 217 |
GO | 22 | 246 |
ES | 6 | 78 |
DF | 1 | 1 |
CE | 38 | 184 |
BA | 40 | 417 |
AP | 4 | 16 |
AM | 6 | 62 |
AL | 19 | 102 |
AC | 5 | 22 |
O TOTAL RECEBIDO PELOS 962 MUNICÍPIOS BENEFICIADOS (17% DO TOTAL BRASILEIRO) FOI DE R$ 602,7 MILHÕES
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