Shows com ingressos, ações exclusivas para datas comemorativas (como Dia dos Namorados) e outras iniciativas ajudam a compensar — ao menos em parte — a paralisação completa dos eventos por conta da epidemia
Por Kamille Viola, do Rio
E, de repente, quando nos demos conta, muita coisa estava fechada devido à pandemia de covid-19. Lá se vão quase três meses desde que começou o heterogêneo confinamento no Brasil. Casas de shows, clubes e festivais foram os primeiros a cancelar eventos. Da noite para o dia, artistas se viram sem seu ganha-pão. Enquanto nomes do mainstream têm uma reserva para se manter por um bom tempo e recebem convites para fazer lives patrocinadas, a maior parte do universo da música está tendo que correr atrás de iniciativas como a #JuntosPelaMúsica, da UBC, ou exercitar a criatividade para conseguir sobreviver. E não é que muitas dessas ideias estão dando certo?
Anitelli: "Voltamos ao princípio do Teatro Mágico de, junto com o público, criar uma possibilidade nova"
Uma experiência bem-sucedida é o projeto Adote o Artista. Lançado pelos cantores e compositores Paulo Neto e Zé Ed, que são namorados, hoje inclui outros artistas: Thamires Tannous, Guilherme Kafé, Hilda Maria, Gean Ramos e a portuguesa Joana Reais. Funciona assim: alguém presenteia uma pessoa com uma música inédita, escolhida especialmente para a pessoa e interpretada por videochamada, ou um pocket-show, exibido por videoconferência. Quem compra não escolhe a canção, é tudo feito na base da confiança. “Adotar tem a ver com acreditar que o artista vai entregar a melhor obra”, explica Paulo Neto.
Para ele, é preciso coragem para encarar um projeto assim. “Não é todo artista que tem essa condição de se mostrar vulnerável. Tem a ver com escuta, troca e sensibilidade”, conta ele. “Cantei para mais de mil pessoas. Numa plateia de mil, a gente não vê ninguém. Eu olho no olho das pessoas”, diz. Com isso, o cantor e compositor viu aumentarem as visualizações de seu álbum “Rosário de Balas”, lançado em 2017.
Encontros pequenos e personalizados
Outra ideia que vem fazendo sucesso é a do Teatro Mágico Experiência. Nela, o público participa de uma sala fechada com, no máximo, 20 pessoas e o vocalista Fernando Anitelli, que conta histórias e toca o repertório escolhido pelos fãs, com ingressos a R$ 50. Enquanto a mulher de Anitelli, Andrea Barbour, filma, ele interage com a plateia restrita em uma projeção na parede de sua casa.
“Eu converso com a galera na parede, dou beijinho, aperto a bochecha, abraço. E as pessoas estão dentro da minha casa, eu estou dentro da casa delas. Está sendo muito bacana. O público gosta de cuidar do artista dele, que compõe aquela música, que canta aquilo ali. Voltamos ao princípio do próprio Teatro Mágico de, junto com o público, criar uma possibilidade nova”, acredita Anitelli.
Paulo Neto e Zé Ed: presentes personalizados de músicas para datas especiais
Para ele, a grande sacada é a experiência das pessoas com a música. “E eu fico trocando com elas também, como aquela música surgiu, toco para a pessoa, coisa e tal, então naturalmente eles montam o próprio setlist. É uma coisa impressionante, eu já fiquei emocionado para caramba um monte de vezes”, admite o cantor e compositor. Já foram vendidas 20 apresentações (o Dia dos Namorados, por exemplo, já está esgotado), com a participação mais de 400 pessoas, e há outras com ingressos ainda disponíveis.
Uma das fundadoras do Women’s Music Event e do WME Awards, além de curadora de música do Centro Cultural São Paulo, Monique Dardenne tem viabilizado atividades educativas, como oficinas, além do Pitch CCSP, para dar visibilidade a novos artistas do mercado, com apresentação de quatro vídeos por mês. Ela também acaba de participar do festival Marsha!, idealizado por mulheres trans e realizado pela Plataforma do Centro Cultural São Paulo, e se prepara para lançar uma parceria com o Latinidades, o Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha. Tudo isso com pagamento para os artistas.
Sofia Freire, uma das participantes do projeto Ágora. Foto: Maria Eduarda Portella
“A gente está conseguindo olhar para essas pessoas vulneráveis, que estão precisando ser pagas pelo seu trabalho. Não é que elas estão sem trabalho porque querem: no momento, estão sem a possibilidade de exercê-lo. Ninguém está pedindo dinheiro. É isso que eu estou conseguindo fazer: analisar projetos e trazer para esse mundo virtual. Estamos fazendo várias adaptações”, explica Dardenne.
"A gente está evoluindo dez anos em três meses."
Monique Dardenne
Já o Women’s Music Event, totalmente realizado por mulheres, teve suas conferências adiadas para o segundo semestre (a data exata vai depender dos próximos meses no Brasil). A programação vai ser presencial para os palestrantes e virtual para o público, com exibição pela internet e remuneração aos artistas e profissionais da área técnica. Para ela, a grande presença online que está acontecendo no período da quarentena veio para ficar.
“Todo mundo pedia para a gente fazer live streaming das conferências. O evento não conseguia atingir pessoas do Brasil inteiro, porque ele é em São Paulo. O público vai aumentar exponencialmente”, acredita Monique Dardenne. “O mercado está mudando muito. A gente está evoluindo dez anos em três meses. Precisamos incentivá-lo a ter compaixão pelas pessoas neste momento, a olhar para quem está ao redor, ser um pouco mais justo com a distribuição de cachês. A indústria da música é feita de muita coisa, não só de artistas, mas de um backstage enorme, que precisa sobreviver. Fundos e doações não devem ir só para artistas, tem muita gente agora que precisa de apoio”, analisa.
Iniciativas pelo Nordeste
Produtores de Pernambuco e da Paraíba se juntaram no projeto Ágora Sonora. Tudo começou quando um grupo de amigos encomendou um show do cantor e compositor Martins por um aplicativo de videoconferência para comemorar um aniversário. “A gente ficou bem impressionado, não só pela qualidade do áudio, pelo que a gente tinha ouvido no Instagram e no Facebook, mas pela interação”, conta a produtora Twilla Barbosa, idealizadora do projeto. Ela cuida da programação de uma casa de shows em Recife que está com as atividades suspensas. No Ágora, se juntou a produtores locais e paraibanos, buscando desterritorializar a programação. Juliano Holanda e Sofia Freire foram alguns dos artistas que se apresentaram.
Há duas opções: a Ágora fechada, com show sob encomenda para eventos, ou Ágora aberta, em que o público compra o link a partir de R$ 20 (podendo pagar mais, se quiser), e até 30 pessoas entram na sala. Foram arrecadados mais de R$ 40 mil reais, e mais de 2.400 pessoas assistiram. Os artistas ganham cachê de R$ 700. Quem estiver interessado preenche um formulário e paga pelo show. No dia, recebe um guia de acesso com todas as instruções e link, num formato parecido com o de festas que DJs brasileiros e estrangeiros vêm promovendo para igualmente tentar monetizar. “É um veículo novo de cultura mesmo, que vai ser aprimorado a cada momento. Estou encarando como ferramenta de trabalho, já que não sei como a casa de shows onde eu estava vai operar depois de tudo isso”, comenta Twilla Barbosa.
"Estamos tentando nos reinventar."
Pedro Mann
O aplicativo Sound Club (que também pode ser acessado por meio de seu site) oferece shows em dois formatos. Um deles prevê que o público pague ingresso para acessar a apresentação. Ou ela pode ser transmitida mediante contribuição voluntária, com valores a partir de R$ 10. “Fiquei com medo de pedir para a galera baixar um aplicativo e assistir. O Instagram, por exemplo, já tem um público próprio, é como chegar com o violão em uma praia lotada”, compara o cantor e compositor Pedro Mann, que fez um show dentro da plataforma. “A qualidade do som é melhor, você chega lá e tem artista no estilo que você gosta. Foi bem legal, teve uma galera que entrou, deu um dinheirinho. Estamos tentando nos reinventar”, diz.
A produtora Camila Mira faz a programação online do Pub Panqss, do Rio de Janeiro, no Sound Club. Ela conta que a casa tem shows com contribuição flexibilizada: os fãs pagam ingresso a partir de R$ 10. As apresentações acontecem de quinta a sábado, às 20h. “Tenho falado muito com os artistas sobre a construção de consciência no público de que isso não é contribuição. É de onde eles tiram seu cachê. A live das redes sociais cumpre um papel diferente da live no app”, compara ela.
Arthur Nogueira: além dos shows, combo com CD e vinil. Foto: Ana Alexandrino
O cantor e compositor Arthur Nogueira vem realizando shows em um aplicativo de videoconferência. Primeiro, ele perguntou em seu Instagram quem se interessaria por algo do gênero e pediu os emails dos fãs. Em seguida, contactou as pessoas que escreveram para ele. Ofereceu a opção da live por R$ 30 por pessoa e ainda combos, que incluíam um CD ou o vinil de “Rei Ninguém”. “Quase todo mundo adquiriu não só a live como os produtos”, comemora. Os fãs também votaram em horários, sendo o mais concorrido o de sábado à noite, às 22h.
Adriana Belic, da agência Belic Arte.Cultura, representa 15 artistas, entre eles o quarteto Yangos, e tem realizado espetáculos online. Entre as saídas que tem buscado para eles, estão apresentações particulares para pessoas e empresas. “Em todos os setores, havia um trilhar para o crescimento da vida online. Já tínhamos transmissões online e ao vivo de espetáculos musicais, tanto é que havia toda uma estrutura, a adaptação foi muito rápida. Os instrumentos já existiam, a rede necessária também. Os shows online vão seguir acontecendo, com aperfeiçoamento necessário da produção, para que a qualidade sonora e artística e o lúdico sejam percebidos, para que a magia permaneça. Viveremos relações híbridas, de espetáculos e festivais ao vivo e de online”, aposta ela.
"Viveremos relações híbridas, de espetáculos e festivais ao vivo e de online."
Adriana Belic
Pedro Mann, que tem usado o SoundCloud para um resultado mais profissional