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Coronavírus: o mercado musical está doente
Publicado em 13/03/2020

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O impacto da pandemia no setor de shows, eventos e festivais deve alcançar escala inédita, com prejuízos na casa dos bilhões de dólares só no segmento ao vivo, dizem especialistas

Por Alexandre Matias, de São Paulo

Atualizada em 16 de março de 2020

Como tudo relacionado à epidemia do Covid-19, a doença causada pelo coronavírus originário da China, a força de seu impacto total no mercado da música ainda é uma incógnita, mas o prognóstico não é nada bom. Sem expectativa sobre uma possível volta à normalidade — nem mesmo sobre quando alcançaremos o pico das transmissões —, os principais players da música e da cultura em geral cortam na própria carne para conter o alastramento da doença.

A princípio, os cancelamentos começaram na Ásia, pela proximidade com o epicentro da pandemia, e os primeiros “espirros” no resto do mundo foram a conta-gotas: anulações de shows e turnês internacionais que passavam por China e adjacências. Depois foi a vez de Europa, começando pela Itália. Agora, o quadro é grave no mundo todo.

Megafestivais como o SXSW, nos EUA, que aconteceria entre esta sexta-feira (13) e o próximo dia 22, já não serão realizados. O Coachella, que seria em abril, foi adiado para outubro. O Lollapalooza foi cancelado no Chile e na Argentina; no Brasil, foi adiado para dezembro. O Tomorrowland da França foi anulado. A convenção Women’s Music Event, que seria agora no fim de março em São Paulo, foi adiada para 5 a 7 de junho.

Uma cascata de grandes turnês deixará de ocorrer: Bob Dylan, Madonna, Santana, Pearl Jam, Disclosure, Miley Cyrus, Bikini Kill, The Who, Pixies, Cher, entre muitos outros. O DJ brasileiro Alok cancelou duas turnês, na China e nos EUA.

A banda-febre sul-coreana BTS apelou a outro estratagema, assim como o cantor uruguaio Jorge Drexler: transformar turnês em shows ao vivo sem plateia e transmitidos por streaming via redes sociais.

“Só no mercado de música ao vivo já se fala em um prejuízo de mais de US$ 5 bilhões."

Juli Baldi, do Mapa dos Festivais

O impacto foi além da música e mexe inevitavelmente com todos os negócios relacionados ao ajuntamento de pessoas. Casas noturnas, museus e campeonatos esportivos inteiros — a começar pela NBA — também suspenderam ou adiaram suas programações, filmes tiveram seus lançamentos adiados, a maior feira de videogames do mundo, a E3, em Los Angeles (EUA), não terá uma edição em 2020, o mítico festival de cinema francês em Cannes e os Jogos Olímpicos de Tóquio ainda não tiveram (oficialmente) o mesmo destino, mas fontes já preveem que não resistirão ao vírus — e ao medo.

Governos de todo o mundo, principalmente na Europa, começaram a restringir aglomerações.

  • Na Alemanha e na Suíça, todos os eventos de mais de mil pessoas estão proibidos;

  • Na Bélgica, qualquer aglomeração de mais de 500 pessoas deve ser suspensa, assim como em Suécia, Noruega e Polônia;

  • Na França, a restrição é ainda maior: 100 pessoas, mesmo limite de Holanda, Áustria, Hungria e República Tcheca;

  • Em Portugal, todos os eventos, de qualquer tamanho, foram banidos em 14 zonas do país que representam áreas de risco. A banda brasileira Fresno, por exemplo, que tocaria em Lisboa neste sábado, teve que cancelar sua apresentação;

  • Na Espanha, o governo declarou estado de emergência, que proíbe quaisquer reuniões públicas. As pessoas são desaconselhadas de ir para as ruas, e todos os shows foram cancelados. Museus, bares e restaurantes estão fechados ou fecharão neste sábado (14), e até parques estão interditados. Shows como os de Gal Costa e da rapper Drik Barbosa, que seriam realizados este mês, foram cancelados;

  • Na Itália, a situação é ainda mais forte. Todo o país foi declarado área epidêmica e “fechado”. A polícia aborda pessoas que estão pelas ruas e as mandam para casa. Todas as atividades culturais e coletivas estão suspensas até segunda ordem.

  • Fora da Europa, a província canadense de Ontario, onde fica Toronto, a principal metrópole e centro cultural do país, também proibiu qualquer tipo de evento que congregue mais de 250 pessoas. 

No Brasil, o Disfrito Federal, o Estado do Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo anunciaram nesta sexta-feira a proibição de todos os eventos públicos, independentemente do tamanho e da finalidade. O medo de que o vírus se dissemine se sobrepõe à preocupação com os prejuízos multimilionários.

Duas das maiores empresas de shows do mundo, a Live Nation e a AEG, anunciaram também nesta sexta o adiamento sine die de 100% dos seus eventos. Como lembrou o jornalista e produtor cultural Léo Feijó numa coluna publicada no portal Mundo Música, a Live Nation, que tem participação majoritária no Rock in Rio, perdeu mais de US$ 1 bilhão em valor de mercado nos últimos dois dias  

“Só no mercado de música ao vivo já se fala em um prejuízo de mais de US$ 5 bilhões”, afirma Juli Baldi, diretora criativa do Bananas Music Branding e do Mapa dos Festivais, citando um número que vem sendo repetido por diversas fontes do mercado, mas ciente de que a cifra deve crescer. “Pelas previsões, se, nas próximas semanas, o vírus se espalhar ainda mais, acredito que outros eventos de grande porte irão aderir aos adiamentos e cancelamentos. Os impactos econômicos são incalculáveis.”

Dentro da música, ela ressalta, o setor de shows e apresentações ao vivo é mesmo o mais obviamente afetado: “Tem toda uma operação por trás, de fornecedores de mão de obra, instrumentos e equipamentos, tecnologia, comunicação... Se não tem show, a casa não abre, o frequentador não consome cerveja, o técnico de som não vai, o equipamento não é alugado, a assessoria não tem o que divulgar. Se não tem festival, não tem venda de passagens, não tem hospedagem em hotel. Vai ser um grande efeito em cascata.” 

Ninguém tem uma ideia clara dos custos relacionados ao pagamento de seguros pelos cancelamentos, além da eventual devolução (ou não) de cachês e de ingressos comprados. Os contratos trazem cláusulas variadas relacionadas a isso, e muitos têm recorrido aos conceitos de “catástrofe natural” e “ato de Deus” (comum na legislação de países anglo-saxões) para evitar as polpudas indenizações. As próximas semanas ainda verão uma definição sobre isso no mercado internacional. 

"É importante que todos os agentes do mercado dialoguem bastante para não termos uma guerra por sobrevivência. Teremos que manter a calma, respirar fundo, ser fortes."

Ricardo Rodrigues, agência Let's Gig

Ricardo Rodrigues, da agência Let's Gig, que cuida das carreiras de artistas como Liniker e Luedji Luna, iria para o SXSW e, depois, para a feira portuguesa MIL, também anulada. Toda a programação do segundo semestre, há bastante tempo planejada, ele diz, agora está em aberto. “É bem preocupante o cenário, coloca empresas em risco. As que não tiverem estruturas para aguentar um ou dois meses mais fracos, com a diminuição grande do volume de faturamento, vão sentir um impacto muito grande. Especialmente em São Paulo, que é a cidade com o principal foco de casos (de coronavírus).”

Ele prevê uma disputa por agendas muito grande no segundo semestre, quando – e se – o pior da pandemia passar. É como se o jogo começasse do zero. “São tempos inéditos para o mercado da música, e é curioso viver isso. É importante que todos os agentes do mercado dialoguem bastante para não termos uma guerra por sobrevivência. Teremos que manter a calma, respirar fundo, ser fortes.”

Para Juli, mesmo com a epidemia contida, haverá uma grave retração na contratação de shows e eventos. “Naturalmente vão surgir outros meios de monetização para artistas e indústria em geral durante os próximos meses de crise. As pessoas não vão parar de consumir música, e acredito que os setores de tecnologia e streaming lucrarão mais neste período. Ainda é preciso levantar dados do tamanho do impacto da epidemia na indústria da música. E que possamos a começar desde já a planejar a retomada.”


 

 



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