Empresário do Sepultura, músico e compositor, Tom Gil fala, em longo papo com a UBC, sobre os passos que o gênero deveria dar para sair do underground e voltar ao mainstream
De São Paulo
Atualizada em 18/2/2020
Tom Gil é um músico, compositor, produtor, cofundador do grupo Manuche e também, há quase cinco anos, empresário daquela que talvez seja a mais conhecida banda brasileira no mundo, o Sepultura. Tem, portanto, uma visão 360 sobre o mercado musical e, em especial, sobre a cena rock. Ao mesmo tempo em que celebra uma efervescência notável e espalhada por diversas regiões do país, lamenta a crescente ausência de atenção do mainstream e da grande mídia àquele que, por décadas, foi o gênero de renovação do jovem público musical por excelência.
Há alguns dias, o site da UBC bateu um longo papo com Tom, um profissional dedicado a colocar de novo a cena rock no “topo da montanha”, metáfora que ele usa com frequência, sobretudo na hora de descrever a ascensão solitária de alguns nomes. “O rock tem muito a aprender com o sertanejo. O sertanejo alcançou um jeito profissional e corporativo de fazer as coisas. Ao conquistar espaços e chegar ao topo, os artistas do gênero estendem a mão aos outros que ainda estão subindo. Fernando & Sorocaba criaram Luan Santana. Sem ego. Nem um resquício sequer. Quanto mais artistas estiverem dentro do segmento deles, se expondo, mais público tem para todos. É um pensamento genial. No rock, o cara chega ao cume da montanha e não ajuda ninguém. Mais que isso: há rivalidade, raivas mútuas, é uma coisa louca. Vai ficar lá sozinho até que ninguém preste atenção nele”, critica.
Separamos reflexões e conselhos de Tom, um dos mais bem-sucedidos agitadores do universo rock com o Sepultura, voltados para outras bandas, mídia, produtores e até para o governo. “O rock está vivo. E, quando a gente que participa desta cena, olha para o que acontece no cenário independente, vê que está mais vivo do que nunca. Tem gente fazendo coisa nova, oxigenada, relevante, mas ninguém está vendo, ou poucos veem. O rock está pulsando debaixo da terra, está no gueto. É hora de trazê-lo de novo para a superfície”, ele diz.
"O rock tem muito a aprender com o sertanejo. O sertanejo alcançou um jeito profissional e corporativo de fazer as coisas."
Tom Gil
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1. Ajudar a fortalecer as pequenas casas de shows
Até chegar ao palco principal do Rock in Rio, o rock deve percorrer um longo caminho, que passa quase que necessariamente pelas pequenas casas de shows. Procurar conhecer as casas da sua cidade, propor aos seus proprietários e curadores noites temáticas, minifestivais ou shows casados com outras bandas, bombar a divulgação dos eventos em que você tocar e ajudar a trazer público é benéfico porque faz a roda girar. Se as casas maiores e até certos festivais acabam apostando somente no “certo” — o que, no Brasil, se traduz em gêneros como sertanejo, funk ou pagode —, uma cena de pequenas casas mais fortes pode ser um bom começo para a virada.
“Enquanto o Brasil ainda é o país do 'ou', os EUA e a Europa são regiões do 'e'. Aqui, é “ou o sertanejo ou funk ou o rock como música pop do momento”. Lá fora, todo mundo tem espaço. Até porque há outro modelo econômico. Quando vou aos EUA e à Europa com o Sepultura, toco de segunda a segunda. Aqui, as casas não aguentam abrir todos os dias”, analisa Tom. E aí entra outra questão, já tratada por ele recentemente aqui no site, a necessidade de pressionar o governo para que estimule fiscalmente, através de desonerações, os pequenos promotores de música, de maneira a fomentar a cena.
2. Roqueiros do Brasil, uni-vos!
Estender a mão a outros, como já dito por Tom, não tem qualquer contraindicação. No exterior, ele conta, é comum que bandas de tamanhos diferentes se juntem em turnês, umas abrindo para as outras, cada uma trazendo um público e um tipo de experiência diferentes. “Tem que haver disposição entre nós, empresários, e contratantes para viabilizar shows com novos nomes. Que seja viável economicamente. Nos Estados Unidos e Europa, a gente sai em turnê em pacotes. Têm sempre o healiner e as bandas que acompanham. É nível empresário com empresário, gravadora com gravadora, até artista com artista… porque, nesse esquema, as relações vão acontecendo e se consolidando. Se for tocar em casa em que cabem mil pessoas, o Sepultura, junto com uma banda bem menor, já enchem. Se for para três mil pessoas, tem que ter pacote com outras bandas maiores. Junta-se os fãs de todas, e dá certo. Poderia ser uma solução para um problema de ausência de público em dias de semana em certas regiões brasileiras. A gente monta uma minitour e vai para o Norte, para o Nordeste, mas só toca de quinta a domingo. Aí tem que pegar avião e voltar para casa, o que aumenta muito o gasto. Na Europa e nos EUA a gente aluga um busão e fica 30 dias na estrada tocando sem parar porque existe esse planejamento que permite às casas pequenas e médias ter movimento todos os dias.”
3. Planejar, planejar, planejar
Na hora de montar uma turnê – só ou acompanhado –, planeje exaustivamente gastos, datas, deslocamentos e todos os fatores com meses de antecedência. A teoria de Tom Gil é simples: todo mundo pode fazer turnê, inclusive lá fora. “Eu deixo uma margem de uns seis meses, pelo menos. Estou trabalhando na tour do Sepultura em março agora, nos EUA, desde agosto. A gente ativamente liga para as casas de shows, para os promotores, se apresenta, sonda datas. Se for fazer turnê em conjunto, estuda as opções de bandas com as quais poderíamos dividir e fazemos pesquisa de target, de tipo de público. Montamos um mapa com datas, estipulamos cachês”, ele enumera. E fala de uma tática que tem se popularizado: “Uma coisa que bandas maiores têm feito com frequência é se associar a marcas, que se tornam patrocinadoras e garantem uma fonte de receitas mais ou menos fixa. Bandas menores também têm partido para isso, apresentando seus projetos e conseguindo recursos. Há editais de apoio e patrocínio cultural em várias empresas. Funciona para o Sepultura e funciona para, digamos, a Canto Cego (banda carioca participante do Projeto Impulso, da UBC, e que Tom elogia bastante).”
4. Pressão sobre o dial – e sobre a TV
“O rádio é um grande veículo. Não é porque existe a tecnologia do streaming que ela perde protagonismo. Noventa porcento das estações tocam sertanejo porque precisam pagar suas contas com publicidade, e a marca, honestamente, está interessada naquilo que 'o povo quer'. Ou que acha que o povo quer. É preciso resgatar a missão da rádio que é de difusão cultural”, ele prega. “Há brechas para isso, um montão de programas regionais que investem no rock. Procure ativamente esses programas, não deixe passar nenhuma oportunidade de colocar a sua música na rádio. Porque na esteira dela vem a TV, ainda um grande reverberador do rola na rádio, e vem também o festival”, completa.
Outra tática para espalhar seu nome poderia ser procurar diferentes tipos de curadores, como blogueiros e produtores de podcasts musicais. Aliás, outra reportagem recém-saída do forno aqui no site elenca alguns dos principais podcasts que divulgam não só o rock mas diversos gêneros musicais. Está esperando o quê para ouvi-los e contatá-los?
5. Saia das redes sociais, vá para a vida real. E diversifique-se nessa viagem
“Estou cansado de ver artistas com milhões de seguidores que não põem 700 pessoas num show. É mais cômodo estar em casa. Mas você forma público na estrada. A pirâmide demográfica se inverteu. A geração mais populosa é a faixa dos 30 aos 55 anos, que não é necessariamente nativa digital, está habituada a sair de casa. Essa gente é economicamente ativa, gosta de rock. As primeiras noites esgotadas do Rock in Rio são as de rock. Vamos explorar isso, gerar um ciclo virtuoso, ajudar a resgatar a cena de shows”, convoca o empresário e músico.
Ele também tem investido em dois segmentos onde a aceitação ao rock – particularmente ao metal – é grande: os videogames e as HQs. “O metaleiro é um dos públicos mais fiéis, mas não está na grande mídia. Então, como aumentar minha base de fãs? Partindo para os videogames, para as HQs, cujo público aceita bastante o som pesado. Comecei a me aproximar desses mercados há três anos. O Sepultura fez uma parceria com a Panini, com tarde de autógrafos na CCXP (Comic Con Experience, em São Paulo, feira de cultura pop nos moldes da Comic Con de San Diego, nos EUA). A Panini nos aproximou da DC Comics. Fizemos parceria com a Microsoft para o jogo 'Gears of War'....”, conta. “Outra coisa são as trilhas para produtos mais tradicionais. Para a Globo, fizemos uma regravação da faixa 'Tainted Love', do Soft Cell, para a série 'Desalma', que estreia em março... É fundamental ter uma coisa em mente: nada se renova sozinho. Formar público onde quer que ele esteja é a garantia de que a gente não vai morrer.”