Anitta, Edino Krieger, Gilberto Gil, Plínio Profeta, Zélia Duncan e Tom Gil comentam os agitados e incertos tempos que vivemos na indústria cultural nacional
Por Andrea Menezes, de Brasília
A edição de fevereiro da Revista UBC, disponível na íntegra aqui no site, traz uma reportagem que elenca alguns dos muitos problemas enfrentados pelo setor cultural sob o governo de Jair Bolsonaro. São tantos os tropeços e desmandos — como dirigismo cultural, ameaças de censura, cortes de repasses e financiamento, radicalização do discurso polarizado e trocas constantes de equipes — que se fala amplamente num quadro de desmonte.
A publicação, por Bolsonaro, de uma medida provisória que isenta quartos de hotéis, pousadas e camarotes de navios, entre outros estabelecimentos do gênero, de pagar direitos autorais de execução pública foi um golpe particularmente duro para a música. Só em janeiro, segundo estimativa do Ecad, os autores já perderam R$ 9,4 milhões, e a conta anual pode se aproximar de R$ 110 milhões. O fato de a secretaria especial de Cultura, antigo Ministério da Cultura desidratado, estar sob o guarda-chuva do Ministério do Turismo faz pensar num constante conflito de interesses entre o lobby dos hotéis e os artistas que vivem das suas obras.
Além disso, como também discutimos nesta edição, há ameaças que vêm da Justiça e do Congresso. O Superior Tribunal de Justiça, ao liberar as paródias políticas, abre uma caixa de Pandora que poderá permitir que se usem as músicas de qualquer autor, sem autorização ou consentimento, em campanhas políticas ou até mesmo em publicidade ou outras situações. E o Congresso, ao convocar uma série de sessões sobre o sistema Ecad, parece apontar para um desejo de intervenção na gestão coletiva de direitos autorais musicais.
Para contrapor a maré de baixo-astral no setor, recolhemos algumas opiniões de associados sobre iniciativas que deveriam ser postas em prática a fim de melhorar as coisas para quem cria arte no país. Há desde conselhos à nova secretaria especial de Cultura, a atriz Regina Duarte, a sugestões sobre desoneração para determinados atores da cadeia produtiva musical. Em uma de suas primeiras intervenções, aliás, Regina, comentou sobre o funk, ao dizer que, ao lado de cada baile, gostaria de “ver um encontro para a família”. Houve reações rápidas de nomes como Anitta e MC Kevinho.
Anitta, cantora, compositora e produtora
Ela sugeriu que Regina e os responsáveis pelas políticas culturais do governo fossem “conhecer um baile funk para ontem”: “Acho lindo criar eventos para as famílias. Mas, com a intenção de competir com baile funk? Não entendi essa parte. Espero de verdade que sejam fake news. Afinal, uma secretária de Cultura deveria entender que a cultura brasileira é mista e agrega todos os tipos de gostos e estilos. E não forçar a sociedade a aderir ao gosto cultural pessoal de quem está à frente das decisões. É muito irresponsável colocar os bailes funk como lugares que as famílias não podem frequentar. (Ir a) comunidades e seus bailes os faria entender o que acontece por ali e principalmente o porquê. Assim, encontrariam formas verdadeiras de incentivar (a cultura).”
Plínio Profeta, músico, compositor de inúmeras trilhas sonoras
“Eu gostaria de ver os direitos de autor protegidos por leis e pelos responsáveis da cultura no governo. O Brasil tem um histórico de compositores geniais como Cartola, Candeia, Pixinguinha e tantos outros que não receberam seus direitos, apesar da obra popular e reconhecida, e deixaram esse mundo na pobreza. É dever dos governantes proteger o direito autoral por uma simples questão de Justiça. Em vez de evoluirmos nesta área, estamos retrocedendo”, ele disse, mencionando a política de buyout imposta por vários produtores de audiovisual, que pressionam os criadores de trilhas sonoras a vender totalmente seus futuros direitos sobre royalties na hora de assinar contratos. Para Plínio, o governo deveria intervir e propor leis que protejam os autores das músicas. “Além das politicas equivocadas da secretaria especial de Cultura, sofremos a pressão das geradoras de conteúdo, que querem comprar os direitos para sempre e não repassar os direitos autorais. Muitos compositores estão assinando contratos leoninos, esses contratos abrem perigosos precedentes que devem ser evitados e protegidos por lei.”
Gilberto Gil, cantor, compositor, músico, arranjador
Ao jornal “Folha de S. Paulo”, ele pediu uma abordagem humana à cultura, desprovida da polarização tóxica que se instaurou nos últimos tempos. E deixou um recado direto e carinhoso a Regina Duarte: “Espero que a Regina veja a cultura do Brasil com os mesmos olhos que eu e tantas outras pessoas vemos a bela figura dela.”
Zélia Duncan, cantora, compositora e escritora
Ela usou suas redes sociais para comentar uma polêmica surgida nos últimos dias que tem a ver com o uso indevido e não autorizado da canção “Dona”, escrita por Sá e Guarabyra, para exaltar a entrada da atriz Regina Duarte no governo. A música integrou em 1985 a trilha da novela “Roque Santeiro”, estrelada por Regina. O associado Sá já se queixou do uso, que fere seu direito moral, e prometeu que acionará os responsáveis na Justiça. A sugestão de Zélia vai além do governo: é direcionada aos que adulteraram a canção original para fins políticos: “Por que os artistas que apoiam o governo e a secretária de Cultura não usam seus talentos para compor uma bela canção, um belo vídeo, em vez de passarem o vexame de se apropriarem de música de artistas que não apoiam e não foram consultados se queriam ceder sua obra?”, disse Zélia, que pediu ainda que os artistas superem a polarização para pensar juntos em caminhos para o país.
Tom Gil, cantor e compositor da banda Manuche e empresário da banda Sepultura
Ele critica a ausência de políticas públicas para incentivar pequenos e médios espaços que promovam o rock e outros gêneros musicais de fora do mainstream. Para o empresário e criador, o governo acerta ao desinchar a máquina pública, mas falta estimular a iniciativa privada a fomentar as cenas alternativas. “Eu não sou defensor do governo atual. Mas não sou detrator também. Sou defensor do país, da cultura e do bem-estar das pessoas. O que eu acho é que, do ponto de vista econômico, este governo não está dourando a pílula mas está tentando fazer com que o país caminhe para o crescimento de novo. E está desinflando a máquina. Governos anteriores apoiaram mais a cultura, mas deveriam tê-lo feito de uma forma sustentável. Sustentar a cultura só com investimento direto público não funciona, tem que haver desoneração. Os impostos pagos pelos heróicos donos de pequenos bares e casas de shows são sufocantes. É preciso um novo modelo tributário que incentive a atuação dos empresários na área musical e cultural em geral. Com incentivos assim, tenho certeza de que se multiplicariam os espaços, baratearia demais fomentar o surgimento de novas cenas e novos grupos.”
Edino Krieger, compositor, músico, maestro
Um dos nossos maiores criadores musicais em atividade, o catarinense de quase 92 anos — que também ganha destaque nesta edição da Revista UBC — volta a pedir políticas de valorização do compositor, o ponto de partida fundamental da cadeia de produção musical. E opina que a melhora do quadro de desmonte passa por uma concertação entre todos os poderes. "A situação política do Brasil como um todo me tira o sono, com o desmonte da Cultura, com o desaparecimento do Ministério da Cultura, com a situação precária da Funarte, da pesquisa científica... e, sobretudo, com os mais de 30 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da miséria. E me assusta a falta de perspectiva de mudanças no futuro próximo. Isso porque todos os poderes da República parecem pouco confiáveis e pouco interessados em qualquer mudança que comprometa os seus privilégios."
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