Exposição prolongada a altos decibéis pode provocar problemas às vezes irreversíveis, alertam especialistas; veja como se prevenir
Por Ricardo Silva, de São Paulo
O amor pela música leva intérpretes, instrumentistas, técnicos de estúdio e produtores musicais, entre diversas outras categorias profissionais, a envolver-se de corpo e alma com níveis às vezes perigosos de ruído. A falta de cuidado com o próprio ouvido pode, paradoxalmente, vir a impedi-los de se dedicar a essa paixão.
Diferentes estudos, no Brasil e lá fora, mostram problemas auditivos e até perdas de audição, em graus variados, entre os que se expõem a frequências sonoras elevadas por longos períodos, como músicos de orquestras, profissionais de estúdios e bandas e artistas que gravam e ensaiam com frequência, além de fazer muitas apresentações.
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Uma dessas pesquisas, de uma equipe da Universidade Tuiuti, no Paraná, acompanhou dezenas de músicos de uma orquestra de Curitiba ao longo de meses. O tempo de exposição dos músicos, com idade média de 48,5 anos e longas décadas de envolvimento com a atividade musical, era de mais ou menos três horas diárias. Mais da metade (53,34%) relatou zumbidos; 43,34% tinham dificuldades para ouvir; e 33,34%, intolerância a sons intensos. Quatro dos músicos disseram ter zumbidos permanentes, outros quatro falaram em cefaleia crônica, e sete tinham tonturas ligadas à alta exposição a ruídos.
“O pior é que a perda auditiva induzida por som de forte intensidade é irreversível”, alerta Aline Albuquerque de Morais, mestre em Ciências da Reabilitação pela USP e diretora do centro Fopi, de São Paulo, especializado em audiologia. “Falta informação, e muitos músicos demoram a procurar uma orientação profissional, já que os sinais do sofrimento ou da lesão das células do ouvido interno são sutis no começo. A pessoa percebe um zumbido, uma sensação estranha de ouvido tampado após a exposição ao som forte, mas logo passa, e as células conseguem se recuperar. Após repetidas exposições, porém, o zumbido não some mais, e o problema só é percebido quando a lesão é irreversível.”
Para ela, a consciência da exposição a altos decibéis deveria levar profissionais que trabalham com orquestras, shows, estúdios e gravações prolongadas a se consultar com audiólogos, fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas regularmente. “O foco deve ser conscientizar-se sobre os riscos e cuidar do que, na minha opinião, é o principal instrumento de trabalho deles, a audição”, segue Morais.
Outro estudo, neozelandês, mostrou perda auditiva em até 60% dos músicos de 66 anos integrantes de bandas e orquestras com apresentações e ensaios frequentes. Entre os mais jovens, de até 38 anos — portanto, com anos a menos de exposição e “maltratos” auditivos —, o percentual era de 22%. Mas, para o autor do estudo, a ironia da coisa é que não necessariamente os decibéis mais elevados e os anos de acúmulo expositivo são as únicas causas de problemas. “Algumas pessoas têm uma audição mais frágil e estão sujeitas a perdas e problemas auditivos mesmo com pouco tempo de exposição a sons não tão altos”, afirma Sargunam Sivaraj, da Universidade de Massey, líder da pesquisa.
PALAVRA DE ESPECIALISTA - A fonoaudióloga Aline Morais dá dicas práticas para evitar problemas
Sons acima de 85 dB podem ser prejudiciais para a saúde auditiva se o indivíduo ficar exposto por 8 horas ou mais, e cada 3 dB de aumento da intensidade sonora faz o tempo "seguro" cair pela metade. Por exemplo, para uma pessoa que assiste a um show próximo às caixas de som (ou que toca e se apresenta perto delas, claro), o tempo que ela poderia estar ali sem ter o risco de ficar com um zumbido prolongado ou desenvolver uma perda auditiva seria de cerca de 30 segundos, já que nessa situação o nível de intensidade sonora pode chegar a cerca de 110 dB.
Importante: nosso estilo de vida influencia nossa saúde de maneira geral, inclusive a saúde auditiva. O ouvido interno é muito sensível às mudanças metabólicas do corpo. Assim, uma boa alimentação, prática de exercícios físicos e a qualidade do sono são muito importantes para manter as células auditivas saudáveis também. Outro ponto muito importante para qualquer trabalho de prevenção é fazer exames periódicos. A audiometria é um exame que deve ser feita pelo menos uma vez na vida. Você precisa saber como é, ou como está a sua audição, para poder se cuidar de maneira mais efetiva. Mas, sem dúvidas, o ideal mesmo é realizar um acompanhamento com um profissional especializado na área.