Artigos 11 e 13 são criticados em campanha aberta do YouTube e também em iniciativas de supostas associações de internautas, que veem censura na redação do texto; instituições do bloco estão a poucas semanas de aprovar ou rechaçar o texto final
Por Alessandro Soler, de Madri
A poucas semanas do fim do prazo estabelecido para sua aprovação final — ou rechaço —, a Diretiva de Direitos Autorais Digitais do Mercado Comum europeu sofre um intenso bombardeio da parte de gigantes da rede. No centro da polêmica estão os artigos 13 e 11 do documento, cuja forma final será determinada após a fase atual de “triálogo”, as negociações a três partes entre o Parlamento Europeu (que, em 12 de setembro passado, aprovou a diretiva em votação), a Comissão Europeia (principal órgão executivo do bloco) e o Conselho Europeu, entidade que reúne os chefes de estado ou governo dos países que compõem a união.
Pela redação atual do artigo 13, os titulares de direitos autorais ganham maior controle sobre como suas obras são compartilhadas por grandes plataformas como YouTube ou Google. A diretiva obriga tais agregadores de conteúdos de terceiros — mas somente os grandes e de alcance global — a instalar filtros de bloqueio para evitar o uso não autorizado de conteúdos protegidos. Além disso, os motores de busca serão obrigados a obter licenças para exibir imagens e outros conteúdos amparados pelo copyright. Na prática, muitos dos vídeos do YouTube, que usam canções, trechos de imagens de produtos audiovisuais, vinhetas e outras inserções sem licença, terão que se adequar ou cairão na malha-fina da própria plataforma.
Outros dos pontos sob ataque da lei é o artigo 11, que dá a editores de jornais e revistas o direito de figurar sempre nos compartilhamentos de seus conteúdos: ou seja, evitar que sua produção seja pirateada quase livremente, como se dá hoje. Além disso, redes sociais como Facebook e Twitter, bem como alguns agregadores de links de notícias (Google News, por exemplo) deverão pagar um percentual das receitas que obtêm com anúncios sempre que conteúdos produzidos por terceiros forem compartilhados por seus usuários.
No front desta guerra está, principalmente, o conglomerado Google/YouTube, que levantou a voz ao céu para denunciar o que chama de censura prévia dos dois artigos. Um discurso encampado por supostas ONGs de proteção dos direitos dos internautas, que levam a cabo uma intensa campanha de desprestígio da nova diretiva em território europeu.
Em países como França e Espanha, associações como a Internautas.org alegam já ter "quatro milhões de assinaturas" de “usuários da rede assustados com o fim iminente da internet como a conhecemos”. “A aplicação desses artigos pode trazer consequências negativas para o desenvolvimento da sociedade da informação. A implantação de taxas por link e a incorporação de máquinas (filtros) para censurar as plataformas digitais são ameaças graves”, prega a Internautas.org, que diz representar 53 ONGs espanholas que advogam pela liberdade da internet.
Para a principal sociedade de autores europeia, a francesa Sacem, mais antiga do gênero no mundo, a campanha de difamação da normativa em nível continental e mundial tem um DNA claro por trás: o do chamado Lobby GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple). “Há uma campanha muito agressiva de desinformação da GAFA dirigida aos cidadãos europeus. Eles moveram a discussão de uma questão econômica muito legítima — criadores sendo pagos pelo uso de seus trabalhos online — para a liberdade de expressão e o debate tipo 'salvemos a internet'. Simplesmente, buscam salvaguardar e maximizar seus lucros com anúncios”, define à UBC Jean-Noël Tronc, diretor geral da Sacem, que se diz confiante no bom critério do “triálogo” para resistir às pressões do lobby economicamente poderoso que quer derrubar os artigos 13 e 11.
“Nossa força são os autores. O que eles criam vale muito mais do que dinheiro. Eles criam cultura, contribuem para nosso bem-estar, constroem relações sociais e formam nossa identidade, local e globalmente. Os direitos autorais não são um conceito ultrapassado. Continuam fortes e resistiram ao teste do tempo e dos avanços tecnológicos. É essencial manter sólido o marco legal que regula o compartilhamento de obras nas plataformas de internet e garantir a remuneração de quem as cria”, completa Tronc.
"Há uma campanha muito agressiva de desinformação da GAFA dirigida aos cidadãos. Eles moveram a discussão de uma questão econômica muito legítima para a liberdade de expressão."
Jean-Noël Tronc, diretor geral da Sacem
O YouTube, além de fazer lobby, como descreve Tronc, se envolveu numa campanha direta para tentar derrubar os artigos que chama de "censura". Em declarações publicadas por jornais como o inglês “The Guardian” ou o francês “Le Monde”, o vice-presidente mundial do Google News, Richard Gingras, usa termos muito similares ao da suposta associação espanhola que diz ter os quatro milhões de apoios contra a diretiva. “A versão atual pode ter consequências muito graves sobre a liberdade da internet”, descreveu.
Em outras declarações, a presidente mundial do YouTube, Susan Wojcicki, adverte para "uma censura como nunca se viu na rede". "Essa legislação é uma ameaça tanto ao seu estilo de vida como ao seu poder de compartilhar sua voz com o mundo", afirmou, em tom apocalíptico, dirigindo-se youtubers, os produtores de alguns do bilhões de vídeos que fazem desta plataforma a mais poderosa emissora de conteúdos audiovisuais do planeta.
Uma promessa de fim dos tempos que não é compartilhada por todos. O comediante inglês Christopher Bingham, titular de um canal com dezenas de milhões de acessos mensais, é um dos muitos youtubers que rebatem as críticas da plataforma que os hospeda. Para ele, "o artigo 13 é ótimo" e os youtubers e usuários do megaportal estão sendo "rifados numa guerra suja cheia de desinformação". Críticos dos argumentos armagedônicos do YouTube dizem que o coglomerado Google não quer ter que apagar os muitíssimos vídeos que infringem as leis de direitos autorais atualmente no ar e, assim, perder espaço na guerra da hospedagem de vídeos — além, é claro, da brutal receita gerada pelos anúncios.
Uma busca pelos termos "artigo 13" e "artigo 11", além de "Diretiva Europeia de Direitos de Autor" mostra que, aparentemente, as táticas de guerra do lobby GAFA parecem estar ganhando de goleada: a maior parte dos resultados mostra artigos de sites desconhecidos ou pequenos com tom negativo e questionando as “ameaças” do documento à liberdade na internet. Resta saber se o bombardeio dos gigantes da rede será capaz de extrapolar os limites da própria rede e influenciar as instituições da União Europeia que têm o futuro da normativa em suas mãos.