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Em um ano, funk e rap crescem 200% no top 10 do Spotify
Publicado em 21/06/2022

Pesquisadores analisam dados de desempenho desses gêneros, o "teto de cristal" imposto às mulheres e as barreiras do mainstream

De São Paulo 

O rapper carioca Xamã, associado da UBC: número 1 nas listas do Spotify com "Malvadão 3". Foto: divulgação

Num cenário dominado pelo sertanejo, dois gêneros oriundos das favelas e periferias das grandes cidades — e ainda vistos com certa desconfiança por parte do establishment musical — tiveram um salto de 200% na lista de mais ouvidas do Spotify na comparação entre janeiro de 2022 e janeiro de 2021. O funk e o rap representaram ainda 55% das execuções totais de artistas de uma das maiores distribuidoras digitais do país, a ONErpm, entre outubro de 2021 e janeiro deste ano, refletindo um momento de ascensão desses estilos no streaming. 

Os dados foram compilados e analisados pelos pesquisadores musicais Leonardo Morel e Vitor Gonzaga dos Santos num estudo sobre os dois gêneros recém-publicado na Revista Observatório, editada pelo Instituto Itaú Cultural. No trabalho, eles relacionam a popularização também à forte presença de funk e rap em plataformas como TikTok, e anteveem a continuidade do crescimento — mas não necessariamente a ponto de igualar o sertanejo ou outro gênero que domina os charts, a pisadinha. Sobretudo, os pesquisadores pontuam: o "teto de cristal" imposto às mulheres e o preconceito de parte da sociedade com esses sons poderiam representar travas para a sua criação e disseminação.

O estudo é um raro trabalho a se centrar em dados quantitativos e mercadológicos do funk e do rap, gêneros que quase sempre recebem atenção da academia sob um viés sociocultural. A análise do top 10 do Spotify mostrou que, na semana de 21 a 28 de janeiro passado, três das canções mais ouvidas eram de artistas do rap ou do funk, sendo que "Malvadão 3", de Xamã, Gustah e Neo Beats, ocupava o primeiro lugar. No mesmo período do ano passado, era apenas uma ("Mds", dos artistas Kawe e MC Lele JP, em terceiro lugar) — a alta, portanto, foi de 200%. No YouTube, o número se manteve: três canções de funk e rap no top 10 de vídeos musicais mais vistos, tanto nessa semana específica de 2022 quanto na equivalente de 2021.

Já os dados da ONErpm mostraram que, entre os artistas distribuídos pela empresa, o funk capturou 33% das execuções no streaming, e o rap, 22%, o que dá a esses dois gêneros, sozinhos, mais da metade dos streams: 55%. Mas um detalhe: só 8% dos raps e 13% dos funks eram de cantoras e compositoras, com os homens representando a esmagadora maioria das execuções. 

O aumento da representatividade — de mulheres e minorias — é uma necessidade urgente, para os autores, e não só no rap e no funk. "É preciso incentivar o ingresso de mulheres e de pessoas LGBTQIAP+ e não binárias em todos os segmentos do setor musical para torná-lo mais igualitário em termos de gênero", dizem. 

Já a etnia e a raça não são um problema para a inserção dos artistas nessas cenas — mas, talvez, sim para a sua difusão. Gêneros negros e periféricos por excelência, esses estilos sofrem, na análise dos pesquisadores, preconceitos racial e de classe. 

"É certo que a estética rap, sobretudo em países como os Estados Unidos mas também aqui, foi abraçada pelos adolescentes, transcendendo as fronteiras de raça e origem. Mas há, sim, uma dificuldade de penetração do funk e do rap por questões raciais. Precisaríamos ver o efeito que o surgimento de artistas brancos e com uma estética mais 'Faria Lima' traria para essas cenas. Seria interessante observar", explica Morel. "Olhar para o passado nos ajuda a entender certos processos. O rock, negro em sua raiz, só se popularizou com o branco e bonitinho Elvis Presley. O rap se massificou com o Beastie Boys, três garotos brancos..."

Enquanto artistas brancos não se apropriam das cenas rap e funk, talvez as dancinhas no TikTok possam ser um atalho mais rápido para alcançar o mainstream definitivo. Ao lado do barateamento dos meios de produção e distribuição de música das últimas décadas, aplicativos superpopulares entre os adolescentes como esse têm dado um impulso sem precedentes às cenas desses dois gêneros. 

"O funk e o rap encaixaram muito bem em aplicativos como o TikTok. A garotada que consome isso adotou muito e ajuda a difundir muito esses estilos, tanto em áreas diferentes dos centros urbanos como em classes sociais diferentes da classe média. A gente vê isso como um movimento acontecendo, questão de tendência, e isso acaba atraindo mais artistas, acaba influenciando artistas desenvolvendo suas carreiras. Está mais fácil entrar porque é mais fácil produzir, e o império Kondzilla está aí para provar isso. O grande pulo do gato agora é chamar a atenção", descreve Morel. 

Para ele, outro aspecto que ajudaria na difusão tanto do funk como do rap seria a construção de uma verdadeira cena colaborativa, algo que ainda não existe como tal:

"Essas cenas carecem de articulação entre os agentes: artistas, produtores, empresários, toda uma cadeia. No caso do sertanejo, houve isso, inclusive com a participação de governos, de grandes empresários, de megaeventos como feiras agropecuárias... O axé também teve uma enorme articulação no passado, com bandas que tocavam nos eventos de outras, com parcerias, feats, com o governo da Bahia investindo nele... Uma real colaboração entre todos."

O funk e o rap, na visão dele, ainda são gêneros marcados por uma lógica de produção e distribuição calcados em rivalidade e alta competição entre seus membros: 

"As iniciativas são pontuais e falta articulação. Eu tive oportunidade de conhecer pessoas que vêm da cena do rap paulistano e que falaram que a cena dos anos 90 não foi para a frente por isso: as bandas não só não se apoiavam como eram quase inimigas. Isso não contribui nada para uma cena musical. Os Beatles combinavam com os Rolling Stones como lançariam seus discos (risos). Ninguém chega a lugar nenhum sozinho."

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